JADE reinventa o showbiz

Há uns anos, as girlbands e boybands eram quase o coração da pop: canções que não saíam da cabeça, coreografias minuciosas, visuais marcantes e legiões de fãs dedicadíssimos. As Little Mix fizeram parte dessa era. Uniram-se em 2011, no The X Factor UK, e depressa se tornaram num fenómeno global. Com harmonias perfeitas, atitude e uma ligação genuína com o público, afirmaram-se como um dos maiores grupos femininos da última década, com aquele brilho de banda que parecia imparável. Mas como quase sempre acontece, chega o momento em que cada membro quer explorar algo mais pessoal, muitas vezes menos preso à máquina pop comercial. Foi o caso de JADE, que agora entra em palco a solo com THAT’S SHOWBIZ BABY!. E o que ela faz aqui é um exercício de carisma, de reinvenção e de liberdade criativa.

Este disco tem camadas para explorar. Há momentos de puro espetáculo, outros mais introspetivos, e um equilíbrio entre a ousadia e o sentimentalismo que mostra que JADE não veio só seguir tendências – veio brincar com elas ou, diga-se antes, distorcê-las, dando-lhes o seu toque. Desde a primeira faixa, “Angel Of My Dreams”, percebe-se que ela quer fazer algo em grande: uma introdução dramática, grandiosa, com produção que respira e explode, como se estivesse a abrir as cortinas do seu próprio musical. É a JADE a despir o manto de “membro de uma girlband” e a assumir o papel principal da sua própria história. Não admira ter sido a escolha para single de estreia. Logo depois, “IT girl” traz um hino de confiança e energia. É o tipo de faixa que nos prende logo, feita para dançar, mas também para sentir aquela atitude de “sim, estou aqui e sei o meu valor”. “FUFN (Fuck You For Now)” vem com um título provocador, mas o que se ouve é uma fusão de força e vulnerabilidade, com uma produção cinematográfica e uma ironia deliciosa no modo como mistura raiva e desabafo.

A partir daí, o álbum mergulha em atmosferas mais sombrias e reflexivas. “Plastic Box” é um dos momentos mais interessantes deste longa-duração: uma melancolia dançável, aquela sensação de estar rodeada de gente e, mesmo assim, sentir-se distante. A produção equilibra elegância e estranheza, e isso dá-lhe um charme especial. “Midnight Cowboy” dá continuidade a esse clima, mais sensual e cinematográfico, quase como uma história que acontece depois que as luzes se apagam. A voz dela desliza entre o suave e o misterioso, enquanto a produção cria uma textura densa e envolvente. Depois, “Fantasy” devolve o brilho, o glamour e a energia do disco, mas sem cair no clichê – é pop com P maiúsculo, feita com estilo e confiança.

No meio do brilho e da teatralidade, há também espaço para a vulnerabilidade. “Unconditional” é o coração emocional do álbum, uma faixa despida de artifícios, onde a voz de JADE brilha pela sinceridade. A produção é minimalista, deixando espaço para respirar e sentir – parece escrita a partir de um lugar de verdade. Já “Self Saboteur” concentra-se num tema universal: a auto-sabotagem, as dúvidas que nos travam. JADE equilibra fragilidade e força, e a produção acompanha essa dualidade com pequenos tremores e tensões que soam quase humanas.

Depois desse mergulho mais emocional, o disco volta a subir de intensidade. “Lip Service” mostra uma JADE mais sensual e direta, com influências de R&B, sem perder a atitude. “Headache” é o momento mais arriscado – uma faixa crua, quase agressiva, feita para causar desconforto. Pode não agradar a todos, mas é esse o objectivo: há coragem artística na forma como ela desafia quem a ouve. “Natural at Disaster” brilha pelo sarcasmo e pela ironia: fala de relações tóxicas e da ironia de ser “boa” a lidar com o caos, com uma melodia irresistível a contrabalançar o peso da letra. “Glitch”, por sua vez, quebra todos os padrões; electrónica com falhas, distorções e uma textura que parece digital e orgânica ao mesmo tempo.

Nos momentos finais, o álbum abranda e abraça a nostalgia. “Before You Break My Heart” traz um toque vintage, com um sample de “Stop! In the Name of Love” das icónicas The Supremes, que liga passado e presente, mostrando como JADE sabe reinterpretar o clássico sem o imitar. E quando chega “Silent Disco”, o fecho é perfeito. Não é uma explosão, é um respirar fundo. Fica a sensação de “fim de espetáculo”, quando as luzes se apagam e o eco das emoções ainda paira no ar.

THAT’S SHOWBIZ BABY! é mais do que uma estreia a solo – é uma declaração de intenções. JADE pega em tudo o que aprendeu no universo das Little Mix e transforma-o num espaço onde pode ser ela própria, sem filtros nem moldes. O disco brilha porque é cheio de contrastes: vulnerável e provocador, teatral e íntimo, caótico mas cuidadosamente pensado. A produção é rica, cheia de detalhes e momentos inesperados; as canções respiram atitude, mas também emoção genuína. Há faixas que fazem dançar e outras que fazem parar para ouvir cada palavra. E talvez seja isso que o torna tão especial: é pop, sim – mas é pop com alma, com carisma, com identidade. JADE não está só a fazer parte do espetáculo. Ela é o espetáculo.

Nascida e criada em Aveiro, mas com a Covilhã sempre no coração, cidade que a acolheu durante os seus estudos superiores. Já passou pelo Gerador, e pelo Espalha-Factos, onde se tornou coautora da rubrica À Escuta. Uma melómana sem conserto, sempre com auscultadores nos ouvidos e a tentar ser jornalista.
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O pop é dela - e ela sabe disso.

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