Acabei recentemente de ler uma colecção de ensaios chamada Stars Don’t Stand Still in the Sky: Music and Myth, compilada por Karen Kelly e Evelyn McDonnell. Sendo que lá cheguei com mais de 25 anos de atraso (o livro foi originalmente publicado no final do século passado), o meu primeiro instinto foi entrar nisto de coração ao largo, sabendo perfeitamente que muitas das questões levantadas ao longo dos ensaios poderia não ter grande pertinência nesta era do pós-hiper-meta-tudo.
Oh, como me enganei. Claro que certos paradigmas ligados a estilos (fusão, globalização, apropriação—todos os “ãos”) foram evoluindo ora de forma orgânica ora à cadavre exquis sem que as as previsões fossem muito na mouche, e que a própria mecânica da promoção e difusão, tão mística e incompreensível como essa mão invisível do mercado que o capitalismo insiste em pintar quase em jeito divino, iria sempre navegar ao sabor das ondas das novas tecnologias. Mas há outros tantos pontos que, feliz ou infelizmente, são tão pertinentes em 2025 como o eram em 1998—quando a maioria das pessoas que escreve na Playback não tinha sequer nascido: o ensaio de Kathleen Hanna sobre imagem, performance, expectativas e feminismo; o de Lawrence Grossberg sobre escrita pop e a sua evolução (ou falta dela); com as devidas ressalvas, o de Anthony DeCurtis sobre a mercantilização da música e a (im)possibilidade de lhe escapar; o de Barbara O’Dair denunciando uma narrativa normativa do rock que geralmente relega a mulher a um papel meramente passivo.
Curiosamente, muitos destes temas são abordados na nova Playback, quer seja pelos Marquise a enfatizarem o papel da comunidade para que as bandas não percam de vista a sua humanidade num sistema tão devorador; a Lisa Sereno e a April Marmara a conversarem sobre os desígnios caprichosos da marketização; Them Flying Monkeys e as vicissitudes duma exportação musical cuja promessa é por vezes apenas uma falácia; ou ainda a resiliência de quem insiste nestas dinâmicas inglórias de trazer algo de novo a uma indústria tão moribunda que só abanando conseguimos perceber se ainda respira.
A fechar, e voltando ao assunto de livros que se querem continuamente relevantes, uma nota desavergonhada de auto-promoção: o meu volume sobre a Tropicália para a colecção Genre: A 33 1/3 Series foi lançado esta semana, e coincidentemente (ou não) também toca numa data de temas aqui mencionados, desde o papel feminino na narrativa pop vigente à tarefa delicada de fazer música sob o imperialismo. Sou suspeita, mas acho que está giro. Podem comprá-lo em muitos sítios, incluindo Wook e Bertrand; assim já ficam com material para o próximo apagão.