Toda a santa vez que começo a escrever um editorial, os meus primeiros pensamentos são sempre pessimistas. Talvez seja por olhar para o mundo à minha volta, talvez seja um misto do meu existencialismo e niilismo quasi-primitivo que me torna assim. Talvez esses afinal se alimentem numa espécie de contínuo que parece infinito, uma espécie de contínuo que parece inquebrável. O Mark Fisher tinha razão: é mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo. Como lidar com esse sentimento?
Por muito que tentemos, lutar cansa. Estamos presos a um contrato social que falhou miseravelmente, que nos hiper individualizou e que pretende capitalizar com os nossos dados e personalidade para treinar modelos capazes de mais do que apenas nos “substituir”. Porque isto não é sobre uma substituição. É sobre a tentativa de fazer capitular os humanos a um sistema que nos aproxima definitivamente de uma tecnocracia, onde a tecnologia substituirá todas as interações sociais e o “animal social”, a comunhão que nos caracteriza, irá desaparecer. Os ricos, os tech-bros menos fixes do mundo, pretendem isso. É por isso que o Zuckerberg e afins falam de amigos virtuais criados a partir de inteligência artificial, criados na verdade a partir de um simulacro construído a partir dos dados que fornecemos, ao longo da última década, a empresas como a Meta. Isto não é sobre substituir humanos – é sobre quebrar a experiência humana.
A construção desta distopia para onde parece que caminhamos não é de agora. As sementes foram semeadas há muito, mas parece que agora estamos numa espécie de aceleracionismo nada fantástico onde tudo se transforma rapidamente, onde as condições para viver pioram a cada dia que passa. Inertes estamos e eles assim nos querem – será mais fácil fazer-nos aceitar o novo contrato social que pretendem, um que vai apenas tornar os mais ricos ainda mais ricos e os mais pobres ainda mais pobres. As dinâmicas do imperialismo tecnológico são as mesmas que determinam o capitalismo há centenas de anos e quebrá-las parece impossível. Mais uma vez: nunca estivemos tão sozinhos apesar de, aparentemente, estarmos mais ligados (virtualmente) ao outro do que nunca.
A luta continua, sem dúvida. A pergunta é: até quando? Parece que o objetivo de dividir o povo, o proletariado, foi finalmente alcançado. Porém, há momentos em que ecoam pela minha cabeça as célebres palavras de “Até à vitória final”, uma das grandes canções do GAC:
“Escutai bem nossas vozes
Oh carrascos do povo
Nós vamos combater vos para ter um Mundo novo”
Um Mundo novo. Necessário. Assim precisamos. E aí, a música, a cultura, pode ter um grande papel. Na realidade, talvez esta Playback seja sobre isso. É sobre o combate feito a unhas e dentes por uns tipos da Irlanda sem medo das represálias. Uma voz que se ergue para conferir esperança no meio dos horrores que rima. Sons estranhos que combatem a ideia de uma portugalidade que nunca existiu. As memórias e cicatrizes de corpos que existem eternamente. Nada disto é novo – mas nunca o mundo precisou tanto destas coisas para ser realmente “novo”.