Editorial #56

Esta época do ano é a altura das listas. A publicação das várias selecções de melhores álbuns, melhores singles, melhores artistas e por aí adiante tornou-se uma espécie de calendário do advento da indústria, umas vezes saindo absurdamente cedo (cheguei a ter editores que me pediam as minhas escolhas em finais de outubro), outras desafiando o attention span colectivo e aparecendo quase em vésperas de consoada.

Toda a gente sabe que não se lançam álbuns em Dezembro exactamente por esse motivo, a menos que se seja alguém como a Beyoncé a quem as regras dos comuns mortais não se aplicam. Curiosamente, os EPs de duas bandas minhas, Rope e The Clits, saíram precisamente em Dezembro—lembro-me do Carlos Matos queixar-se de que éramos uns irresponsáveis porque assim iríamos ser excluídos das famosas listas. Não era algo que nos interessasse, nem sequer tínhamos pensado nisso.

Nos últimos anos, esta também se tornou na altura do Spotify Wrapped e das respectivas partilhas pelas redes. No entanto, a ferramenta pela qual muitos aguardam ansiosamente como uma espécie de prenda antecipada no sapatinho tem vindo a adquirir um gosto agridoce (mais agri que doce) com as constantes polémicas ligadas não só aos serviços de streaming em geral (e que incluem a baixa percentagem paga aos artistas) mas também a investimento em armamento militar e, claro, à quantidade ridícula de AI slop musical que tem vindo a invadir as plataformas. Afinal, quem é que vai querer partilhar um wrapped do qual constam artistas que nem sequer existem?

Agora que a maluqueira importada das Black Fridays e Cyber Mondays já acalmou, um apelo: este Natal, apoiem os vossos artistas favoritos (aqueles que existem mesmo) e comprem a música deles, de preferência com o mínimo de intermediários possível e em lojas independentes (o verdadeiro dois-em-um). Ofereçam bilhetes de concertos. Nesses concertos, comprem merchandising (é normalmente aqui que os artistas fazem mais dinheiro). E se algum deles tiver a ideia peregrina de lançar qualquer coisa neste período pré-festas, dediquem-lhe atenção na mesma. Talvez estejam simplesmente a mandar a indústria enfiar as listas nos confins da Lapónia.

tripeira de nascimento, parisiense por adopção. já escarafunchou muita arte, pisou muito palco, escreveu para muito sítio, e deitou muita carta. doutora em quebrar corações (e não só) e eterna electroclasher.
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