Entreconversas: lidar com o networking com April Marmara e Lisa Sereno

Embora se situem em polos distintos dentro do universo do folk português, April Marmara e Lisa Sereno têm vindo a conquistar públicos cada vez mais vastos através das suas vozes inigualáveis e oníricas. De um lado, April Marmara, alter-ego musical de Beatriz Diniz, conta com dois discos a solo (New Home e Still Life) e tem levado a sua música a vários palcos europeus – além de ser baixista de bandas como Vaiapraia ou Cave Story. Do outro, Lisa Sereno é um nome emergente da esfera cultural portuguesa, tendo dado nas vistas com os seus singles “Mystery” e “Tan Line”, que em breve integrarão o seu primeiro EP.

Por coincidência, as duas já se tinham cruzado num dos videoclipes de Lisa Sereno, mas — como me contaram antes de começarmos a gravar — a conversa que aí tiveram foi breve e soube a pouco. Por isso, decidi juntá-las à mesa do café Linha de Água para partilharem um chá e, claro, uma boa conversa. Lisa veio preparada, com várias perguntas apontadas no caderno; April trouxe o improviso e a curiosidade. Todos esses elementos criaram uma conversa longa sobre processos criativos, networking, cinema e até viagens no tempo.

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[April Marmara] Gosto sempre de saber qual é o processo criativo das canções dos artistas. Como é que tu começas?

[Lisa Sereno] Normalmente, escrevo à guitarra, porque é o instrumento com que me sinto mais confortável. Só gosto de escrever quando estou inspirada ou, pelo menos, quando tenho uma ideia. Quando tento forçar, nem sempre sai bem. Depois, começo com um registo de uma ideia, mas nunca estou inspirada para escrever uma canção de uma vez. É violento. Escrever uma canção tem muitas fases, até emocionais, e não sou capaz de lidar com todas de uma vez. Às vezes tenho a ideia para um refrão e só noutro dia faço os versos.

[April Marmara] Então, as primeiras ideias são melodias da guitarra e só depois é que te surgem ideias para a letra? Ou já te aconteceu alguma vez teres uma letra escrita e tentares encaixar numa guitarra?

[Lisa Sereno] Como sou designer gráfica, durante as tarefas mais práticas que faço consigo estar a pensar em letras. Nesses momentos, costumo registá-las, mas não as costumo conseguir encaixar em melodias. Acho mais fácil quando penso primeiro na melodia e depois na letra. A verdade é que me sinto mais lançada para escrever a letra quando penso nas duas coisas ao mesmo tempo. Quando estou inspirada, começo a cantar e tenho de fazer as coisas sem pôr pressão em mim mesma para espremer o que tenho. Essas letras às vezes não são nada, mas são ideias com as quais posso depois trabalhar.

[April Marmara] Os artistas costumam ter um foco em falar sobre uma coisa específica. Uma história de família, por exemplo. Alguma vez sentiste que te focaste num certo tema?

[Lisa Sereno] Não, mas se pudesse escolher um tema, gostava de fazer música de intervenção. Saber que a minha música tem um impacto direto e que tem ali uma mensagem, que não é direta, sobre querer mudar o mundo. No entanto, é muito importante sermos genuínas e fazermos aquilo que verdadeiramente sentimos. Não sinto que o que saia de mim seja música de intervenção, mas ao mesmo tempo, já estou a fazê-la ao ser eu mesma. Por exemplo, há outras cantoras que falam de experiências traumáticas… é isso que quero ouvir. Quero ouvir coisas reais. Para algumas pessoas o real é a música de intervenção.

[April Marmara] Mas nós não temos de ser todos um Zeca Afonso. Podemos fazer músicas de intervenção à nossa maneira, não é?

[Lisa Sereno] Exato. Acho que quando falamos das nossas experiências de vida e daquilo que queremos contar, isso é intervenção no sentido em que alguém vai se enquadrar. Até porque a palavra intervenção é enorme, e se conseguimos chegar a alguém, já é intervenção. Mas posso estar enganada.

[April Marmara] Não, eu gosto de acreditar nisso.

[Lisa Sereno] Como é que funciona o teu processo criativo? Quais são os instrumentos que usas?

[April Marmara] Como já fiz dois discos e estou agora neste momento a trabalhar num terceiro, sinto que o processo criativo vai se modificando e aproximando àquilo que estou a gostar mais de fazer naquele momento e com o que estou mais confortável. No início, o processo criativo era muito mais simples, no sentido em que só tocava quando estava inspirada ou só escrevia quando tinha uma ideia. Agora não surge tanto assim. Às vezes, tenho uma ideia e preciso de a visitar várias vezes. Tem de ser forçado, mas também não pode ser um sacrifício. Forçar apenas quando a ideia tem potencial. Geralmente, começo as canções à guitarra. Ultimamente, tenho começado imensas ao piano. Tive aulas de piano depois da quarentena, que me deram as bases para conseguir estar minimamente confortável a tocar. Ter esse novo método de escrever canções também me deixou entusiasmada e é algo que atualmente tento explorar mais. A parte da letra não é muito constante. Tenho várias formas de conseguir escrever letras para canções. Já me surgiu de uma assentada e escrevi tudo de seguida. Já me aconteceu ter algumas coisas escritas, por exemplo: estar a passear ao pé da minha casa e surgir uma ideia. Escrevo no telemóvel e depois mais tarde vou para casa e tento encaixar isso numa melodia na guitarra. Há também um exercício muito interessante que faço. Estou a tocar guitarra e faço só sons com a minha voz. Esses sons não querem dizer nada, mas depois lembram-me palavras e frases. Já me aconteceu escrever canções com a ajuda desses sons e isso é interessante. São sons que me fazem lembrar de coisas que não fazem sentido nenhum e tens de trabalhar um bocado para que façam sentido. Isto é a base das canções. A composição com outros instrumentos já é um processo totalmente diferente.

[Lisa Sereno] Como é que costumas fazer antes de mostrares uma música a um produtor? Isto porque estive a ver os créditos da tua canção “Who Knows Where the Love Goes” e reparei que produziste em conjunto com o Afonso Cabral.

[April Marmara] Essa canção em específico, não. Produzi-a sozinha em casa. Mas sim, o Afonso estava a produzir comigo o disco e essa foi uma das canções em que trabalhámos, mas que já estava praticamente finalizado o arranjo. Claro que ele me ajudou a limar umas coisinhas, mas-

[Lisa Sereno] O que queria perguntar era como é que funciona. Em que momento é que decides que a música está acabada para passar para as mãos de um produtor?

[April Marmara] Só tive um produtor e foi neste último disco. No primeiro, fiz um bocadinho uma aventura com a minha banda da altura. Às vezes, fico muito fechada nas canções e não consigo ter uma visão do que é que elas podem ser e para onde podem crescer. Por isso, falar com o Afonso foi a nova perspetiva que precisava para as canções. Havia umas mais caseiras, outras que foram por caminhos que sozinha nunca tinha conseguido ir. Esse processo foi mesmo uma procura de uma coisa nova e fresca.

[Lisa Sereno] Entendo. Pelo menos no meu processo de criação e de composição, sinto que chego a um ponto em que sei que a música não está onde quero que ela esteja. Tenho uma ideia geral do que eu quero, mas não sei bem como chegar lá. É nessa fase que penso que vou passar para outro produtor para fazer a música crescer e sugerir outras coisas. Sinto-me mais completa quando não estou só a trabalhar sozinha.

[April Marmara] Percebo. Há imensas canções que sentes que não sabes mesmo o que fazer. Trabalhar com uma pessoa que tenha a experiência de fazer discos há anos é mesmo diferente do que uma pessoa que sabe muito pouco. Uma coisa que me entusiasma é conhecer novos métodos de trabalhos. O último disco que fiz, quando chegámos à altura das misturas, foi muito interessante. Na altura, estava a trabalhar com o Eduardo Vinhas e ele estava a ensinar-me tudo o que estava a fazer. Foi interessante perceber como é que o som se moldava, como é que se modificava. Tu sentes que preferes trabalhar com outras pessoas também, não é?

[Lisa Sereno] Na verdade, sinto-me dividida quanto ao processo de pré-produção e de produção. Com as músicas que gravei até agora, disse ao produtor com quem trabalho, o Miguel Nicolau, para preparar uma primeira versão das canções sem a minha presença. Isto pode parecer complexo, mas para chegar a um resultado com que esteja satisfeita, o processo funciona melhor quando ele faz uma sugestão e depois eu ouço essa versão pela primeira vez. Sei que algum dia vou querer participar no processo de produção e quero absorver tudo, mas, ao mesmo tempo, pergunto-me: será que esta é a melhor maneira de chegar a um resultado com que esteja completamente satisfeita?

[April Marmara] São métodos totalmente diferentes. Há quem goste de bater com a cabeça nas paredes até conseguir chegar a um sítio, há quem goste do processo e há quem não goste. Há quem prefira só dar uma proposta e avançar. Há vezes que corre mal e vais procurar outro produtor porque tens uma visão, mas depois precisas de um meio para chegar a essa visão. Outra questão. Estive presente na altura dos teus videoclipes que foram filmados-

[Lisa Sereno] Sim! Explica aqui para o público! [Risos]

[April Marmara] Estive a assistir às filmagens da Lisa como assistente do realizador – foi assim que eu e tu nos conhecemos [risos]. Reparei que nos teus vídeos há sempre alguns elementos que contam uma história através de pequenos detalhes. Gostava de saber de onde é que surgem essas ideias e porque é que estão presentes nos vídeos?

[Lisa Sereno] Naquela altura queria estar o mais informada possível e fazer o melhor videoclipe que conseguia – não dá para não ser perfeccionista. Na minha pesquisa de inspirações para o videoclipe apareceu um vídeo a explicar um dos filmes do Alfred Hitchcock, o Vertigo. Tenho um carinho pelos filmes do Hitchcock, adoro os filmes dele. Nesse vídeo, havia coisas explicadas das quais nem me apercebi quando vi o filme pela primeira vez, mas que tinham ficado presentes no meu inconsciente. Sem dares conta, isso deixa marca nos espectadores. Existe esta urgência de uma resolução no final porque estamos a ser invadidos por uma sensação de inquietação ao longo do filme. Gosto dessa parte que é discreta, mas depois não é.

[April Marmara] Estás a falar de elementos como as luvas vermelhas, que estão presentes nos dois vídeos?

[Lisa Sereno] Sim, por exemplo. Quis dar uma continuidade à história, ou criar uma ligação.

[April Marmara] A pena ou o pássaro também estão ligados.

[Lisa Sereno] Exato. A ideia é ter momentos constantes para que as pessoas se questionem e pensem: a pessoa que pensou nisto está a tentar transmitir-me alguma coisa. Gosto que as pessoas possam pensar por elas próprias naquilo que pode significar.

[April Marmara] Gosto que as coisas façam sentido, e corrige-me se estiver errada, mas parece que a imagem visual dos teus vídeos é algo muito concreto na tua cabeça. Tu sabes exatamente o que queres, mas o processo de fazer canções é uma coisa mais livre. Não sabes bem onde é que vai terminar. Já te tinhas apercebido?

[Lisa Sereno] Tenho uma ideia geral da estética sonora e visual para uma canção, mas não quero fechar as portas a nada. Neste caso, nos vídeos, essa visão é mais concreta. Vem de ideias que já queria apresentar há algum tempo. Especialmente no videoclipe da “Mystery”, queria ter aquela parte teatral, porque sentia essa necessidade de ser mais dramática. Para além disso, os arranjos daquela canção transportaram-me logo para esse mundo visual. Agora, uma pergunta para ti. Qual é a tua canção que gostas mais de cantar.

[April Marmara] Não sei. Ter de dar um concerto com canções que não gosto de cantar e só gostar de uma, era mesmo um sacrifício. Não era uma coisa que fosse prazerosa, e, para mim, tocar ao vivo é uma coisa que me dá prazer. Claro que há um conjunto de canções que, em certos contextos, fazem mais sentido. Os concertos, o público e as salas são sempre diferentes.

[Lisa Sereno] Mas que música é que recomendarias às pessoas?

[April Marmara] É difícil porque se só puderem ouvir uma música para perceber todo o tipo de música que eu faço… O meu segundo disco é um pouco distante do meu primeiro, mas sinto que é uma evolução na mesma. Diria algo do Still Life, sim. As canções também são muito diferentes e de alturas diferentes. A “Who Knows Where The Love Goes” ou a “Dead Flowers” são duas músicas com ambientes muito diferentes, mas que têm muitos elementos que me representam como artista. 

[Lisa Sereno] Qual é a tua canção ou o teu artista preferido neste momento?

[April Marmara] Ouvi há pouco tempo, pela primeira vez, o Charm da Clairo. É mesmo bom. Nunca ouviste?

[Lisa Sereno] Ouvi músicas soltas só. Ainda não o ouvi inteiro.

[April Marmara] O disco é muito bom. No Coachella, o Bernie Sanders apresentou-a.

[Lisa Sereno] Apresentou-a?

[April Marmara] Sim, fez uma introdução antes dela entrar no palco.

[Lisa Sereno] Eu ouço só aos bocadinhos porque está em playlists do Spotify.

[April Marmara] Gosto mesmo de ouvir discos do início ao fim. É uma cena que acho que muita gente já não faz. Um disco tem uma história. Apesar de poder representar muita coisa diferente e que tem músicas feitas em alturas diferentes, há sempre um contexto para que aquele artista decida juntar aquele conjunto de canções. Atenção: também ouço playlists.

[Lisa Sereno] Sim, também penso assim. O artista queria que ouvisse isto tudo junto, com calma e a pensar nas canções.

[April Marmara] Há certas coisas que fazem mais sentido em conjunto do que sozinhas. Gosto de perder tempo a ouvir um disco do início ao fim. A playlist é uma forma muito fácil e prática de ouvir as músicas novas da semana, por exemplo.

[Lisa Sereno] Sim, ou para conhecer outros artistas. Mas em minha defesa, esta playlist a que me refiro, ouço-a enquanto tomo banho, ou seja, nesses momentos não consigo ouvir as coisas ao pormenor. Por isso, nesses momentos escolho ouvir músicas que já conheço e posso só seguir a melodia.

[April Marmara] É uma playlist para cantar no banho.

[Lisa Sereno] Por acaso não canto no banho. Para ouvir discos do início ao fim, também gosto de ter um momento específico em que possa ouvir todos os elementos. Gosto muito dos pequenos pormenores… O que é que achas dos lançamentos de músicas novas às sextas-feiras?

[April Marmara] Acho que todos os dias são válidos para lançar música. Claro que ao longo dos anos, foi-se concentrando na sexta-feira, porque é quando as músicas entravam nas playlists das plataformas. Mas todos os dias são válidos. Não há música nova só às sextas-feiras, gosto de ouvir música todos os dias. Aliás, eu já publiquei noutros dias e conheço artistas que já publicaram até à segunda-feira.

[Lisa Sereno] Sim, e há regras que me irritam um pouco. Se queremos que as músicas cheguem a algum lado, temos de seguir certas regras. Não me dá jeito publicar ou ouvir músicas novas à sexta-feira [risos]. Segunda-feira é o dia para organizar a semana, ver e-mails novos, ver o que é que tenho para fazer esta semana – ou pelo menos, a manhã de segunda-feira é dedicada para um momento de organização. Acho que o dia de lançamento ideal seria a terça-feira de manhã, que é o dia em que as pessoas já planearam a sua semana. Ao mesmo tempo, penso que estou a pensar mais no dia a dia de um designer, em que estamos ao computador a fazer coisas. É um trabalho prático em que podemos estar a ouvir música. Por isso, para mim, o ideal seria a terça-feira. Marquem na agenda.

[April Marmara] Mas já experimentaste alguma vez? Não há nada como tentar. Há mesmo muita coisa que tenho andado a pensar também ultimamente como artista. A forma como a tua música chega às pessoas hoje está muito diferente. Quando comecei a fazer música, havia muito mais público que ia a concertos independentes do que hoje. Uma coisa que me questiono é como é que consegues mostrar a tua música, tendo em conta que há mesmo muita coisa nova a acontecer em Portugal?

[Lisa Sereno] É muito mais fácil criar e partilhar.

[April Marmara] Não sei se é por ser mais fácil ou não, mas há mais vontade e há mais projetos a acontecer e de qualidade, o que é mesmo bom. E como é que tu te distingues de todos esses artistas? Tenho uma ideia de que fazer música ou arte é algo que se deve fazer em conjunto. Não gosto de criar dentro da minha bolha. Acho que se fizermos tudo juntos seria uma coisa benéfica, mas como é que os ouvintes te vão ouvir? Não sinto que seja só a fazer posts no Instagram ou no TikTok, mas é uma realidade com a qual te confrontas quando falas com editoras. Há certas regras que não são certas e que têm de haver outras formas, porque o público está muito disperso. Eles não ouvem só música no TikTok. Há demasiada informação para que a tua música fure essa barreira. Temos de mudar a forma de mostrar a música. Não sei, questiono-me como é que será no futuro próximo. Será que iremos conseguir ter outros meios para mostrar as nossas canções?

[Lisa Sereno] Eu também me questiono. Aliás, questiono-me sobre todo o futuro da humanidade…

[April Marmara] [Risos] Não queria ir tão fundo na questão…

[Lisa Sereno] Mas as coisas estão a mudar muito.

[April Marmara] Mas a mudança não é propriamente má. Tenho uma perspetiva mais positiva e acredito sempre que convidar diretamente uma pessoa para ir ao teu concerto ou mostrares o teu disco é muito válido e que cada vez faz mais falta.

[Lisa Sereno] Sim, porque ficou tudo muito impessoal.

[April Marmara] Sim! Por vezes, queremos uma coisa muito maior e esquecemo-nos que temos coisas pequenas ao nosso alcance, que estamos a pôr de parte. As coisas são graduais e começam do pequenino para o grande. Enfim, não trabalho em nenhuma major label, por isso não sei nada sobre isso. Tenho só a minha mera visão de artista.

[Lisa Sereno] Muitas vezes penso mais no meu caso como pessoa muito introvertida. Tenho um grupo específico de amigas com quem costumo estar e não saio muito disso. Falta-me fazer networking. Odeio esse conceito. É assustador, mas ao mesmo tempo um networking menos óbvio, como isto que está a acontecer, é mais confortável e não deixamos de ser nós mesmas. Concordo também com o que estavas a dizer sobre convidar alguém diretamente para ouvir a nossa música ou ir ao nosso concerto. É uma ocasião de ligação física que me faz sentido, porque parece que estamos muito perto dos artistas através dos posts no Instagram, mas na verdade estamos ainda mais longe do que podíamos estar. Apesar de ser introvertida, sei que é isso que faz a diferença. No entanto, também está tudo a avançar muito depressa e eu questiono-me: o que é que vai ser de nós? O que é que vai ser de mim?

[April Marmara] Sim, mas não saberes não é negativo. Há todo um leque de opções.

[Lisa Sereno] A mim dá-me ansiedade não saber.

[April Marmara] A mim também. Eu tenho de me forçar para fazer networking. É uma coisa que muitas vezes me custa e que há certos contextos que nem me fazem sentido. No entanto, trabalhar com outras pessoas também é importante, porque puxam por ti e tiram-te da zona de conforto. O networking que eu faço não quer dizer que seja igual ao que tu fazes. Temos formas diferentes de lá chegar. Pode significar só mandar emails.

[Lisa Sereno] Quando penso em networking, penso em pessoas de negócios que defendem que a música é um negócio, e essa não é a minha natureza. Sinto que está em nós de uma forma mais orgânica e não tão forçada e agressiva.

[April Marmara] E mesmo que sejamos muito introvertidos, através da mensagem do Instagram a coisa ainda consegue fluir mais rapidamente. Criar-se uma conexão entre artistas, em vez de algo mega individual com o propósito apenas de ficar conhecida. Nós estamos tão distantes uns dos outros que… Sei lá. Se eu te seguir só a ti no Instagram, posso meter-te num pedestal e nem sequer penso que és uma pessoa e que simplesmente posso mandar uma mensagem a dizer que adorava ver um concerto teu. É tão básico como isto. Tal como temos de ter uma força para fazer música, também tem de haver uma força para que essa música seja ouvida por outros.

[Lisa Sereno] Eu posso ter criticado um bocado as redes sociais, mas há também coisas incríveis, especialmente para pessoas introvertidas. Por exemplo, recentemente fiz um gosto numa artista que seguia, mas pensei: “vive na Alemanha e tem não sei quantos seguidores, ou seja, ela não vai reparar sequer que pus um gosto”. Mas depois ela começou a seguir-me. Fiquei surpreendida. Ela sabe que eu existo. Só o facto de ela ter-me seguido e ter perdido o seu tempo comigo, fez-me sentir ligada. Acho que isso também foi networking.

[April Marmara] Sim, temos esta ferramenta que é bom nós usarmos. De repente, tu podes estar a falar com uma artista que tu admiras de um outro país e, quem sabe, um dia vais lá e ela ajuda-te a fazer um concerto lá ou vice-versa. Não é o fim, ou seja, há mais coisas.

[Lisa Sereno] Qual é a tua colaboração artística de sonho?

[April Marmara] Há tantos artistas bons. Eu fazia muitas e com muita gente diferente.

[Lisa Sereno] E se pudesses fazer para o teu próximo disco?

[April Marmara]: Adorava trabalhar com a Cate Le Bon, por exemplo. Acho que ela iria trazer-me uma perspetiva diferente de fazer uma canção.

[Lisa Sereno] Se calhar podes enviar um e-mail ou dar um gosto num dos seus posts. Tens de fazer um gosto, ela segue-te e depois tens de comentar um post. Mas tem de ser, nos próximos minutos, sabes? É assim que funciona [risos]. Qual é o teu filme preferido?

[April Marmara] Tenho vários filmes preferidos. Tenho um top quatro no meu perfil do Letterboxd. É o Metropolis, mas se puderes ver numa sala de cinema com música ao vivo, eleva bastante a experiência. Consegui vê-lo há dois anos no Leffest. Outro filme é o The Wicker Man, que tem uma banda sonora incrível de folk. Também gosto muito do Red Shoes, que é uma história muito marada sobre uma rapariga que põe umas sapatilhas e não consegue parar de dançar. O Birdman também é incrível. É um policial noir, perfeito do início ao fim. E os teus? 

 [Lisa Sereno] Há aqui perguntas que não vou saber responder [risos].

[April Marmara] Ah, pois!

[Lisa Sereno] Mas eu arranjo uma resposta. Já não vejo um filme deste realizador há muitos anos, mas é o meu realizador favorito. Chama-se Kim Ki-duk. É um realizador sul-coreano, que morreu durante a pandemia. Ele fez um filme chamado Primavera, Verão, Outono, Inverno… e Primavera. Recomendo. Gosto muito dos filmes dele, apesar de alguns serem um pouco violentos. Este não é. A mensagem final é bonita e impactante.

[April Marmara] (Tirou o telemóvel e foi procurar o filme) Está na Filmin!

[Lisa Sereno]: Filmin é uma aplicação um pouco irritante…

[April Marmara] Então?!

[Lisa Sereno] Porque há filmes que estão a aparecer e a desaparecer, e outros “quase disponíveis”.

[April Marmara] Mas o catálogo é muito bom.

[Lisa Sereno] Eu tenho uma lista de filmes que quero ver e sempre que vou procurar uma plataforma, nunca há.

[April Marmara] Real. Tens de ter a Criterium Collection.

[Lisa Sereno] Nunca ouvi falar.

[April Marmara] É um serviço de streaming americano, que para o utilizares tens de instalar um VPN. O catálogo deles é perfeito. É mesmo muito bom. Tem imensos filmes.

[Lisa Sereno] Vou procurar! O meu objetivo com esta entrevista era também reunir inspirações. Quais são as tuas influências musicais para este terceiro álbum?

[April Marmara] É sempre um bocado difícil responder. Há muitas coisas que absorvo. Eu sei que quero criar uma sonoridade um pouco diferente dos outros discos. Mas já referiste uma série de filmes e artistas que podem servir como inspiração. 

[Lisa Sereno] Ok. Então, próxima pergunta [risos]. Fui ver entrevistas para me inspirar nestas questões. Se pudesses viajar no tempo, que época é que escolhias?

[April Marmara]: Anos 70.

[Lisa Sereno]: E em que país?

[April Marmara]: Estados Unidos, talvez.

[Lisa Sereno]: Para ires ao Woodstock?

[April Marmara] Para ir ao Woodstock ou então…  Tenho aquela fantasia do que foi a música nessa altura. Acho que o Woodstock foi um bocadinho caótico, mas ver tudo o que é que estava a acontecer nessa altura, deve ser interessante. Ou, sei lá, Londres nos anos 70. Devia ser bastante duro, mas também devia haver bastante música interessante a acontecer nesta altura. E tu?

[Lisa Sereno] Sem ser a nível musical, escolhia ver a minha família em mais novos.

[April Marmara] Ok. Eras uma tia qualquer só a observar?

[Lisa Sereno] Sim, mas aparecia transparente e teria de ser só um dia.

[April Marmara] Isso seria uma máquina de tempo muito rápida.

[Lisa Sereno] Sim, porque não queria ver as dificuldades e os dramas. Gostava de ser visível e gostava de lhes dizer olá, mas depois, como nós já vimos em filmes…

[April Marmara] Como no Regresso ao Futuro, onde a personagem principal não existe porque a mãe se apaixonou por ele.

[Lisa Sereno] Exato. Gostava de estar visível, mas ao mesmo tempo sei que não podemos mexer na história.

Lisa Sereno toca na final do Festival Termómetro a 17 de maio no Lisboa ao Vivo. Os bilhetes podem ser adquiridos aqui.

Matilde Inês é uma pessoa que se emociona com os pequenos pormenores. É mais provável ouvimo-la a cantar as back vocals ou solos de guitarra, do que a letra principal. Recém licenciada em Ciências da Comunicação e que, atualmente, trabalha como radialista e jornalista na Rádio Voz de Alenquer. De vez em quando, escreve aqui e ali sobre música.
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