Um jovem paulista chega à cidade invicta e decide contar a história de um universo distópico comandado por uma entidade maléfica e endinheirada que acumula criptoqueijo. A Terra esgotou todos os seus recursos e o próximo destino da humanidade tornou-se o planeta vizinho, Marte. Esta é a história de MARTEMORTE, o mais recente álbum de Lucas Monch, mais conhecido como MONCHMONCH, editado em meados de junho pela editora independente portuguesa Saliva Diva em conjunto com a editora independente paulista Seloki Records.
MARMORTE é uma narrativa apocalíptica e cinematográfica que atravessa um mundo devastado pelo capitalismo, pela sede de poder e ganância, contada em nove faixas ásperas e carregadas de furor. É evidente que o sangue ativista e punk de Lucas pulsa com intensidade, e a sonoridade elaborada e frenética não só nos contagia como também nos diverte com a sua irreverência calculada.
Fortemente influenciado pelo universo dos mangás, especialmente por One Piece, Lucas Monch, tal como o herói Luffy, recusa-se a reproduzir passivamente aquilo com que somos diariamente bombardeados pelos media. Em vez disso, convida-nos a ridicularizar figuras como Jeff Bezos (“JEZZ BEZOS PAGA UM PÃO DE QUEIJO”), que seria incapaz de oferecer um simples pão de queijo, e a encontrar novas formas de continuar a luta contra um sistema que nos devora.

Num mundo onde a esperança é enfraquecida pelas injustas guerras e os problemas do primeiro mundo prevalecem, MONCHMONCH poderia deixar-nos em suspenso e sem respostas. Porém, em “COISALINDA”, canção que encerra o álbum, escutamos instrumentos a desfazerem-se em chiares ruidosos, num ato que simboliza que, mesmo se tudo estiver prestes a acabar, algo de novo irá com certeza levantar-se das cinzas. Se vamos estar cá para assistir a isso? Esperemos que sim.
Em pleno Palácio de Cristal, a Playback sentou-se à conversa com MONCHMONCH para falarmos de MARTEMORTE. À nossa volta, galos lutavam como se estivessem no Matrix, gansos vagueavam tranquilamente até ao pequeno lago, e pavões intervinham oportunamente na nossa conversa. Em harmonia com o que nos rodeava, falámos de um disco que disso tem pouco.
O que surgiu primeiro? MARTEMORTE, o disco, ou MARTEMORTE, a banda desenhada?
O disco surgiu primeiro e a BD depois. Sou realmente muito ruim a desenhar, mas sou muito bom a escrever histórias. Acho que esse álbum tem muito isso. Conta uma história do início ao fim. A maioria das músicas que compunha, fechava os olhos e tentava desenhar os cenários. Tanto que quando tive a ideia de fazer uma BD, tentei construir um roteiro básico do universo. Quando passei esse roteiro aos ilustradores, disse para eles: “leiam, mas não usem isso de referência. Façam o que vocês quiserem”. Portanto, apesar da ideia de fazer uma versão física da BD ter surgido depois, a história veio toda junta. É um álbum muito visual.
Podemos então confirmar que este disco funciona como uma narrativa total. Começa tranquilo, mas depois fica muito distópico e caótico.
Mesmo na BD, a história começa num mundo surreal dominado por gatos, onde tudo está destruído. É quase o sonho de um fim. Mas aí vai para o próximo quadrinho, que é referente à “CITY BUNDA”, e fica uma coisa totalmente banal. Muito humana. Aí veio a guerra que acaba com a humanidade. E o último quadrinho são galinhas e patos. Um futuro sem humanos. É brutal, mas é bonito também.
A banda desenhada esteve sempre muito ligada ao movimento punk. Achas que o facto de teres lançado este disco acompanhado de uma banda desenhada meio que reaviva os tempos em que se faziam álbuns e fanzines?
Sim. Senti muito a falta. Senti que houve um momento em que parece que as coisas se separaram. No punk isso se manteve, mas antes era uma relação muito mais forte. Acho que tentei juntar todo o mundo que conheço que faz essas coisas e tentar formar um coletivo. Quando era pequeno ia em uns shows de rock e tinha essa ligação. Então, acho que vem muito daí também.
Como é que olhas agora para o movimento punk?
Não sou propriamente muito do movimento punk. No geral, acho que as coisas às vezes se perdem muito. Muitas pessoas mais velhas do punk olham para meu som e dizem que não é punk. Acho muito problemático aquele lugar que o punk tem de ter sempre a mesma estrutura, o mesmo visual. Pode ser outra coisa. Acho que os movimentos têm esses problemas.
Mas não achas que o teu projeto tenha uma atitude punk?
Sim. Sinto que é muito difícil me colocar num género só. Acho que o movimento underground sempre é punk. Se não é a Taylor Swift, você é punk.
Já te vi em várias entrevistas a falar de um tal punk-solar. O que é?
Esse é um movimento mais presente no Brasil. Em Portugal, o rock é muito mais normalizado, e às vezes as pessoas se descontrolam e se batem. E no Brasil, as pessoas não vão num mosh punk porque é agressivo, e o estigma do “rock morreu” é muito forte. A última banda de rock foi Legião Urbana, e não era grande coisa. E o conceito de punk solar vem desses estigmas: tocar punk, mas sem agressividade. Um mosh, mas sem soco. Não é um gênero musical, é apenas uma atitude que tomamos nos shows. Acho que tem o seu valor quando todo mundo está em consenso de dar soco, mas, geralmente, gosto muito mais daquele público que está unido e se abraçando. A origem desse conceito, tanto para mim quanto até mesmo para os Tangolo Mangos, veio das bandas desenhadas, mais concretamente do mangá. Há um mangá chamado One Piece que conta a história do personagem Monkey D. Luffy que comeu a fruta do diabo. No início do mangá, essa fruta é chamada de fruta da borracha e é por isso que ele se estica e consegue chegar onde quiser com os sonhos. Mais tarde, descobre-se que é a fruta era mitológica e representava a liberdade. Chamaram-na depois a fruta do sol. Para mim, o Luffy é a figura da libertação e de referência, porque o punk é uma coisa libertadora. Nunca dancei muito. Tenho muita dificuldade de me soltar. Mas no show é onde me solto totalmente. Por isso é que acho que a minha ligação é tão forte. O primeiro lugar que dancei foi quando estava num show de rock e uma pessoa me empurrou. Foi libertador.
Tendo em conta que já viveste os dois universos culturais, como é que a cultura no Brasil está a ser tratada e qual é que é a maior diferença entre Portugal?
Nesse sentido de estrutura cultural, um dos fatores que complica é o facto de não estar na Europa. Um disco de vinil em Portugal custa 25 euros e uma entrada de show é 10€. No Brasil, a entrada é 20 (3,10€) e o disco é 180 reais (27,90€). Aqui é muito mais fácil tanto o consumidor como o artista se aproximarem. Torna-se mais sustentável. Portugal tem um fator muito bom que é ser geograficamente pequeno. Para ir de São Paulo até o Rio de Janeiro, demora 8 horas. É caro se movimentar. No entanto, vou do Porto a Lisboa em 5 horas de ônibus e pago 2 euros. Além disso, mesmo no pior show que fiz aqui, recebi jantar, pagaram gasolina e todo mundo tirou 20 euros. Não era nada, mas já era alguma coisa. No Brasil, tem show que faço que posso encher a casa, mas ainda assim vou perder dinheiro. A gente fica brava com a casa de show porque não dão jantar e não pagam tão bem, pegam uma percentagem muito grande da bilheteira, mas você vai ver as contas da casa e a casa também está apertada com dinheiro. Acho que é muito pelo fator desigualdade ser brutal lá. Aqui tem realmente algo que a gente poderia pegar para lá, que é realmente essa coisa familiar.
Foi por isso que saíste do Brasil e vieste para cá?
Muito por isso, sim. Estava meio com um muro à minha frente. É como o gabre disse na matéria que escreveste: “Não tinha para onde crescer”. Precisava de conhecer outros sistemas e como melhorar. E aqui fui realmente iluminado.
Vieste para cá estudar ou vieste continuar o teu projeto?
Mandei mensagem para a Saliva Diva e disse: “Quero ir para aí. Vocês me recebem?” [Risos]
Como assim? [Risos]
Acho que foi no final de 2023 que comecei a falar com eles. Em 2024, já estava indo para Portugal. Mas para os encontrar foi meio estúpido. Fiquei uns dois meses procurando, porque há essa dificuldade no underground. O máximo que chegava era a Linda Martini. No dia em que estava prestes a desistir, entrei no Bandcamp para escutar uma banda que gosto muito do Rio de Janeiro, que é os Oruã, e vi que eles tinham um single com as Pega Monstro. Eu não sabia que as Pega Monstro eram de Portugal. Naquele momento que eu cliquei, descobri o selo delas, Cafetra, a Favela e a Cuca Monga. Mandei mensagem para todos. Sei que alguém me respondeu e falou: “Acho que não faz muito sentido com a nossa curadoria, mas fala com a Saliva Diva”. Eles achavam que estava zoando com eles, mas depois apareci. Fiquei lá o ano passado todo e no começo deste ano voltei para o Brasil.

Por causa da tourné?
Não. Para morar lá de novo. Agora meu plano é vir a Portugal na altura do verão. É impossível pagar aluguel. Tem muitos lugares que não preciso pagar. Fica mais barato pagar uma passagem.
Fizeste produção cultural antes de fazeres música?
Sim, sou formado em produção cultural na rua.
O que é o “Caldeirão do Lucas”?
Uau! Como você sabe isso? Foi feito num momento em que queria ver coisas a acontecer, e por isso decidi chamar todos os meus amigos e organizar uma festa. Foi um surto. Nem sei como é que fiz aquilo tudo sozinho: as luzes, o som, a comida, a porta. E de alguma maneira, deu certo. Acho que esses eventos definitivamente me colocaram nos dias que estou hoje, porque é muito difícil você ser um artista sem ser produtor. Principalmente no Brasil. Para as coisas acontecerem você tem de ser ágil, por isso é que comecei a produzir muitas coisas. Depois do “Caldeirão do Lucas”, me profissionalizei um pouco mais – fiz uma produtora, chamada Gruta Grita. Consegui organizar 25 festas. Foi algo muito importante. Mas depois disso, cansei um pouco. Dava muito trabalho e eu queria fazer música.
Em 2024, lançaste várias gravações de concertos teus – no GrETUA, no Zigurfest e no Salgado Fest – com a maior parte das canções do MARTEMORTE. Há quanto tempo tinhas estes sons guardados e porque é que lançaste só um ano depois o disco?
Quando lancei o meu último álbum [GUARDILHA ESPANCA TATO], em 2023, já estava gravando a maioria desse novo álbum – sou meio inquieto. Tanto que o disco de vinil tem um outro álbum todo no lado B. Embora se perca o fator de surpresa, para mim é mais importante o show. Você escuta o álbum, e repara que é muito diferente. Claro, você já conhece a música, mas no álbum tem toda uma narrativa. Para mim, mais importante do que lançar um álbum muito bem, é registar o tempo. Não ligo ao hype.
Sempre houve uma romantização do que é a Europa pelo brasileiro, então foi importante vir para cá e perceber que quem romantiza esse lugar são pessoas muito ricas. Quando, na verdade, um brasileiro chega à Europa, se fode.
Neste álbum, algumas canções que fizeste ainda foram feitas no Brasil, e as restantes foram feitas quando já cá estavas, certo?
Quando enviei o e-mail para a Saliva Diva, já tinha gravado a maioria do álbum. Tanto que a “CITYBUNDA”, a “BOLINHO DE FERRO” e a “PRÉDIOS” eram faixas que iam para o lado B da fita, mas depois a gente readaptou. Tinha uma fita cassete do GUARDILHA ESPANCA TATO, que tem uma versão de “PRÉDIOS”, assim como a “JEFF BEZOS PAGA UM PÃO DE QUEIJO”. O resto foi composto em Portugal.
Como é fazer um álbum numa altura em que viveste em duas cidades completamente diferentes?
Tem algo muito divertido de mudar a química e de trocar ideias com outras pessoas. Gosto de trocar a formação da banda que compõe MONCHMONCH. Desta vez vou tocar com o Luís Barreto d’O Triunfo dos Acéfalos, o Matias Ferreira dos Marquise e o Manuel Molarinho dos BALEIA BALEIA BALEIA. Vão aparecendo novas maneiras de tocar música, porque o meu processo é sempre: faço uma música no violão, mando para o pessoal e digo: “a gente vai tocar isso que toquei, mas aumenta para 1,5 no WhatsApp”. [Risos] No entanto, gostaria de quebrar isso em algum momento e conseguir compor em conjunto, mas é muito difícil para mim.
Porquê?
Acho que pelo facto de compor muito sonhando. Na maioria das vezes, as minhas músicas saem com a minha cara enterrada na cama, de olhos fechados e pensando em som.
Mas pensas em melodias ou numa estética?
As duas coisas ao mesmo tempo. Às vezes, o som vira imagem, a imagem vira som. No meio da noite acordo, pego o celular e começo a falar coisas. No dia seguinte escuto, e não sei o que fazer com aquilo [risos] É difícil fazer isso em conjunto, muito pelo facto do álbum ser essa coisa muito apocalíptica, vindas de perspetivas diferentes que tinha e tenho do mundo. Sempre houve uma romantização do que é a Europa pelo brasileiro, então foi importante vir para cá e perceber que quem romantiza esse lugar são pessoas muito ricas. Quando, na verdade, um brasileiro chega à Europa, se fode. Foi isso que consolidou o MARTEMORTE num lugar mais firme de sensação humana do mundo. Por exemplo, “VELHOS BRANCOS JOVENS CAREQUINHAS” ou a “Batatinha”, uma canção do lado B, tem uma parte da letra que descreve uma vez quando estava sem grana para comer e estava passeando pelo Porto e passei por um restaurante caro, onde vi um americano comendo batatinha. Fiquei muito puto e fiz a música. O refrão é: “tendo taquicardia comendo batatinha” – ou seja, um americano morrendo de gula. Foi bom também para personificar o mal – nada contra alguns americanos, só contra alguns americanos. Enfim, os ricos do mundo, portugueses, brasileiros, americanos. Mas por acaso, sinto que a cara do mal tem muito essa cara loira e de olho azul. A minha realidade aqui no tempo em que vivi em Portugal foi isso. Ver como o país estava sendo destruído. Todo esse ódio aos imigrantes, quando na real, eram os americanos e os alemães comprando tudo, deixando tudo caro e complicado a vida dos portugueses e a dos imigrantes brasileiros e africanos.

Há bocado estavas a falar do punk solar e que o mangá de One Piece tinha o simbolismo da liberdade. Qual é o simbolismo do pão de queijo?
Escolhi o pão de queijo através do método dadaísta. Queria algo absurdo que o Jeff Bezos não poderia me dar. Acho que tem muito disso em One Piece. O pão de queijo pode ser um sinônimo da fruta do Luffy, porque no mangá tem esse vilão supremo que quer controlar tudo. O grande lance da história é que essa fruta, por acaso, cai nas mãos de uma pessoa normal. Na BD, temos no primeiro capítulo um gato destruindo os prédios, porque comeu um pão de queijo. Ele ganha todo o poder do mundo para fazer o que quiser. Acho que o pão de queijo veio de um lugar irônico, que pode parecer que é dinheiro, mas na verdade sinto que é só porque o Jeff Bezos nunca vai conseguir comer um pão de queijo. É uma comida boa que só pode ser feita com muito carinho.
A “CRIPTOQUEIJO” soa quase igual à música de introdução para um jogo. Como imaginas este disco se fosse um jogo?
Tentei fazer realmente um jogo! Fiquei um mês estudando programação para tentar fazer um jogo, mas desisti [risos]. A minha ideia original era fazer um jogo em formato 2D, semelhante ao Pokémon.
Mas porque é que a “CRIPTOQUEIJO” não abre o álbum? Parece que é quase uma introdução.
Queria que o universo do álbum fosse algo como uma ligação de telemarketing. Porque tudo é um grande mercado, não é? A própria vida das pessoas é um mercado. Acho que a canção centraliza muito esse centro gravitacional capitalista que destroi o mundo, mas é também uma canção pessoal. Agora estou num processo na justiça contra uma empresa de telecomunicações no Brasil, porque eles estavam me cobrando parcelas de algo que já tinha cancelado. Mas eles se recusaram a cancelar e tinha de continuar pagando. Tanto que com aquele contrato não conseguia vir para cá fazer turnê porque eles botaram o meu nome sujo, ou seja, não podia viajar de avião, comprar uma casa, etc. Neste momento, estou pedindo cinco mil reais de danos morais. Portanto, todo o álbum é aquele limiar entre realidade e fantasia.
“CITYBUNDA” e “BOLINHA DE FERRO” são canções que falam sobre a tua cidade, São Paulo. Qual é a tua relação com a cidade?
Na verdade, a “BOLINHA DE FERRO” foi inspirada no filme Mad Max. A letra é um pouco suicida. Escrevi ela um pouco antes de vir para cá. Sofria porque não sabia mais para onde ia. Mas o que é que tem a ver com Mad Max? Quando eles estão prestes a morrer, usam um spray e gritam “testemunhe”. Eles se matam fazendo uma coisa bonita. E a “BOLINHA DE FERRO” fala muito sobre se atirar e ver o que é que poderá acontecer.
E a “CITYBUNDA”?
Quando a escrevi, sentia mais ódio pela cidade, porque, assim como já disse antes, achava que em Portugal as pessoas levavam muito a sério o rock e a música independente. No Brasil, as pessoas vão aos lugares mais conhecidos, às casas que pagam melhor. E quem as frequenta são extremamente ricas que vieram para escutar uns artistas meio toscos. Não tem um senso de qualidade. É um lugar que é muito concentrado por patricinha e mauricinho – aqueles que vocês chamam aqui de betas e betos. Em Portugal, acho muito mais acessível. Em um ano consegui: entrar na Saliva Diva, voltar para cá para fazer uma tourné sem pagar nenhuma passagem de avião e toquei em dois festivais. Nos outros nove anos em que estive no Brasil, não conseguia chegar muito longe – Casa Natura ou Sesc porque são lugares maiores e elitizados. Se aparece uma banda da periferia, por exemplo Nigeria Futebol Clube, não chegam nesses lugares. Estou fazendo um empréstimo agora para pagar assessoria. Dou ainda outro exemplo. Os Oruã já fizeram várias vezes tour pelos Estados Unidos, mas só tocaram pela primeira vez no Sesc no mês passado, já depois de serem uma banda há quase 15 anos.
Se ouvirmos a tua discografia desde o teu primeiro EP (Inato [2017]) até MARTEMORTE, nota-se que a tua escrita foi ficando mais cómica e crítica com o tempo. O que provocou essa evolução?
Já senti essa diferença com o GUARDILHA ESPANCA TATO. Apesar de gostar de soltar umas músicas mais românticas, gosto de juntar questões sociais com o humor porque passei a entender que não era efetivo ser só raivoso. Já aconteceu tocar em lugares públicos e ter pessoas da extrema-direita a assistir e gozar com elas. Há outra vez que são eles que estão me xingando. Em Coimbra, estavam uns mega turistas no show e eu comecei a dizer: “Portugal está como está por causa desses loirinhos…”. Enfim, fui um pouco agressivo ali. Mas no geral, gosto mais de fazer a crítica de uma maneira mais engraçada. Sinto que acaba sendo mais acessível. Acho que a moderação é estúpida e hoje não funciona no mundo. Acho que tem de ser radical mesmo. Mas, ao mesmo tempo, tento trazer uma coisa radical, mas não estou apontando o dedo a ninguém. “JEFF BEZOS PAGA UM PÃO DE QUEIJO” é extremamente anticapitalista, só que fica naquela coisa cômica super palatável. Gritar que queremos matar o Jeff Bezos é convencional. Mas quando vai para esse lugar absurdo e cômico, a mensagem entra nas pessoas. Se fosse só agressivo, ficaria mais maçante. Para mim, isto é o punk solar que estávamos a falar há pouco: gosto de ser agressivo, mas gosto de estar sempre com um sorriso na cara.
Acho que isso vem muito também do Luffy. Ele é um herói que combate com um sorriso na cara e diversão.
É uma referência suprema. Inclusive teve uma matéria de cinco referências não musicais e eu botei BDs, mas esqueci de botar One Piece.
É curioso que falas dessa peça, porque nela também falas do realizador Werner Herzog e do seu documentário Into the Inferno. A mensagem final desse documentário vai muito ao encontro com as faixas “VALA-LAVA” ou “COISA LINDA”. Se essas duas faixas fecham a história, a que conclusões quiseste chegar?
Embora queira acreditar que a humanidade vai prevalecer e vamos viver em uma coisa mais comunal, se terminasse o disco com a sobrevivência da humanidade, pareceria óbvio. No entanto, queria acreditar, mas tenho mais fé num pavão como estes que nos rodeiam.
E isso é um pensamento influenciado pelo realizador porque ele num outro vídeo diz que olha para a natureza de uma forma desinibida, descontraída, e nós, humanos, estamos sempre constrangidos e nunca bem com aquilo que a natureza nos dá.
Sim, tem esse constrangimento e de tentar escapar da natureza – é isso que destroi tudo. A gente trata a Terra como uma coisa suja, quando, na realidade, nós é que somos sujos e estamos destruindo tudo. Essa intervenção extremamente humana é feita através do dinheiro, carros, cidades sem espaços verdes. Perto de São Paulo existe uma cidade chamada Alphaville. É uma cidade perfeita dentro de uma muralha, onde moram pessoas ricas. São apenas zonas residenciais, bairros estilo americano. Enquanto muitos estão a ver morrer, turistas estão comendo batatinha. A natureza é brutal, mas ela é muito mais linda do que a nossa desgraça humana. Portanto, que acabe o mundo e o humano, e que os lagartos dominem o mundo [risos]. Acredito muito em alienígenas. Sou fascinado em ufologia e fico pensando: qual é o motivo da gente não ter contacto com os alienígenas? Acho que é porque se eles conseguiram chegar até aqui é porque eles são muito mais espertos que nós e perceberam que nós somos criaturas estúpidas que claramente vão se matar. Você prefere ir lá e tentar negociar com criaturas estúpidas ou só esperar que elas se matem?
Será que é isto? Tu não achas que como o espaço é imenso e tem imensas galáxias, eles não podem ter vindo de uma outra galáxia que está mais à frente no tempo?
Talvez eles estejam vendo isso. Tem pessoas que falam que os aliens são agentes-
Há pessoas que acreditam que os gatos são aliens infiltrados [risos].
Exato! [Risos] Se eles estão esperando, das duas ou uma: ou eles estão esperando porque vai dar certo, ou eles estão esperando porque eles sabem que a gente vai se matar – e acho essa mais provável.
DOS ENTULHOS LOUCOS CAVAM SOL é o álbum que está no lado B do vinil de MARTEMORTE. Porque decidiste não disponibilizar esse álbum nas plataformas de streaming habituais?
Ele vai ficar exclusivo durante pelo menos um ano, porque serviu para dar valor para o disco de vinil e vendê-lo. No início, queria que fosse só para o Bandcamp, mas só que depois queria fazer algo que fugisse ao convencional. Então botar esse outro álbum ali exclusivo no disco foi uma maneira de não vender tudo para as empresas.
Mas esse disco é uma segunda parte do MARTEMORTE?
Não. No disco de vinil, colocámos a capa ao contrário para ilustrar que não é o lado B do MARTEMORTE. É mais um lançamento duplo. São dois álbuns completamente diferentes.
Podemos dizer que é menos acelerado?
É muito tranquilo. São dois violões e várias camadas de sintetizadores. Está mais parecido a um som de Elliot Smith.
Fotografia de destaque: Marina Mole