A Todos um Bom Natal

aqui se escreveu sobre essa grande instituição natalícia da música portuguesa que é o Natal dos Hospitais, e o quão importante a emissão era para uma mini-eu, investida em aprender a mais recente coreografia dos Onda Choc ao mínimo detalhe para depois mostrar na escola.

A verdade é que em matéria de marcadores festivos de cariz musical 100% nacionais pouco mais existe. Claro que sempre houve programação televisiva e radiofónica dedicada à quadra, iluminação a condizer, e até a ocasional versão de clássicos estrangeiros oscilando entre orelhudez e vergonha alheia. 

No entanto, tirando esse grande hit europop da virada do milénio chamado “Nesta Noite Branca” pelos Anjos e uma ainda semi-desconhecida Susana, não se pode dizer que exista propriamente um repertório de Natal luso capaz de dominar o imaginário popular ao ponto de se sobrepôr às inevitáveis importações. Um repertório inteiro talvez não; mas o que seria do Natal português sem a omnipresença desse enorme banger infanto-juvenil cantado a mil vozes? Falamos, obviamente, de “A Todos Um Bom Natal” do Coro de Santo Amaro de Oeiras.

A história começou há precisamente 45 anos, no Natal de 1980. A canção, que sairia nesse mesmo ano como single pela editora Alvorada, uma subsidiária da Rádio Triunfo, foi composta pelo maestro e fundador do famoso coro César Batalha, com letra da sua mulher Lúcia “Ema” Carvalho. E desengane-se quem pensar que a aptidão do casal para compôr malhas instantaneamente lendárias se restringiu a este hino natalino: Batalha e Carvalho são os responsáveis pela primeira e única vitória portuguesa no festival infantil italiano Zecchino d’Oro, quando nesse mesmo ano Maria Armanda foi, viu, e venceu com o imortal “Eu Vi Um Sapo”

Ao longo dos anos, “A Todos Um Bom Natal” tornou-se numa presença mais icónica do que o bacalhau com batatas nas festividades deste canteiro à beira-mar plantado. De programas de variedades e outros especiais da época às honras de encerramento da maratona hospitalar anual da RTP, é impossível escapar aos votos insistentes das dezenas de vozes infantis que exigem absolutamente que seja um bom Natal para todos nós. E mesmo que juremos já deitar melodia e letra pelos olhos, damos por nós a abrir mais um saco de frutos secos enquanto cantarolamos internamente a herança imaterial de Batalha, que nos deixou há pouco mais de três anos.

No fundo, as músicas de Natal deveriam ser todas assim: ingénuas, viciantes, cantadas em coro sem grandes individualismos tirando o ocasional solo rotativo. Porque se há algo que nos falta em 2025 (um mero eufemismo, porque nos falta mesmo muita coisa) é reaprendermos os códigos básicos da humanidade, da partilha, do convívio genuíno. Afinal, Natal é quando a gente quiser; mas enquanto houver Coro de Santo Amaro de Oeiras a entoar “A Todos Um Bom Natal” a plenos pulmões esta altura do ano fica um bocadinho mais mágica. 

tripeira de nascimento, parisiense por adopção. já escarafunchou muita arte, pisou muito palco, escreveu para muito sítio, e deitou muita carta. doutora em quebrar corações (e não só) e eterna electroclasher.
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A breve história de um hit de Natal.

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