Editorial #51

“Quem tudo quer, sem nada fica”. Lembro-me de os meus pais me dizerem isto ao crescer. Penso muito nesse provérbio, que infelizmente tão bem se adapta aos dias de hoje. Dias onde o 1% de multimilionários – algumas das pessoas mais infelizes e menos fixes de sempre – decidiram que iam tomar de assalto o resto dos 99%. Penso nesse provérbio porque me oferece algum consolo que estes grandíssimos idiotas irão, um dia, perder tudo, nem que seja através do último suspiro da vida: a morte.

Entre casas demolidas de forma ilegal, pessoas que se vêm em situação de aflição e partidos que se intitulam de “socialistas” quando são devotos do mais puro fascismo do neoliberalismo incapaz de nos levar a uma libertação coletiva, mas com certeza capaz de nos arrastar até à morte. A questão é quantos de nós irá arrastar consigo, nessaa rápida viragem à devoção aos senhores da guerra e ao genocídio em detrimento da educação, da saúde, da habitação, da cultura. Para o povo, nada; para o 1% que manda nisto, tudo. “Eles comem tudo e não deixam nada”, já cantava outrora o Zeca Afonso. Ele e o José Mário Branco é que a sabiam – que tudo isto era uma parolada e que o tempo não mudou nada. O tempo, afinal, só adormeceu momentaneamente os monstros. À primeira oportunidade para canibalizar tudo à sua volta, acordaram. Os resultados estão à vista.

Independentemente das causas e das consequências dos tempos horrendos que vivemos, lutar é mais do que uma opção – é uma obrigação. E lutar começa pelo cuidado de quem está ao nosso lado. De quem vive na nossa casa, no nosso prédio, no nosso bairro. De quem cai ao nosso lado no concerto, de quem está ao nosso lado no cinema. Há camaradas por aí que necessitam de saber que existe uma alternativa a este estado de desesperança em que nos prenderam. Aceitar esse estado faz parte da derrota que esses 1% – e em que eles mandam – nos querem incutir. Lembrem-se: os reis também queriam tudo; no fim, ficaram quase todos sem nada.

Cucujanense de gema, lisboeta por necessidade. Concluiu um curso de engenharia, mas lá se lembrou que era no jornalismo musical e na comunicação onde estava a sua vocação. Escreveu no Bandcamp Daily, Stereogum, The Guardian, Comunidade Cultura e Arte, Shifter, A Cabine e Público, foi outrora co-criador e autor da rubrica À Escuta, no Espalha-Factos, e atualmente assina textos no Rimas e Batidas e, claro está, na Playback, onde é um dos fundadores e editores.
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