Desde pequenos que aprendemos a reconhecer aquele friozinho na barriga. Não me refiro ao pânico total, aos suores frios, à urgência de correr para a casa de banho para evacuar (por um lado ou por outro) tudo o que está lá dentro e que parece não sossegar. Refiro-me àquele que é gerível, que se for navegado até dá um formigueiro bom, um gostinho de pré-êxtase que provamos antes mesmo de sabermos o que é êxtase (Freud discordaria).
Normalmente, aparece a primeira vez que entramos numa peça da escola ou algo semelhante. Os pais, os professores, a escola inteira ali a ver e nós com medo de esquecer a deixa ou a canção que temos na ponta da língua há semanas. E se falha a voz? E se escorregamos e caímos? E se toda a gente se rir de nós?
O que acontece a seguir dita a nossa relação com esta adrenalina peculiar para o resto da vida. Se ultrapassarmos o desconforto inicial e formos em frente, ele costuma desaparecer e tudo o resto é divino, maravilhoso; de contrário, se calhar não seria pior escolhermos outra carreira. Tal como a maioria das drogas, tudo depende se é ou não a nossa praia. E se for, é bem provável que se torne viciante.
Esse friozinho é um barómetro crucial. Todo o artista sabe que o dia em que ele deixar de existir mais vale ir virar frangos para a porta do talho (mal nenhum em virar frangos, atenção). É um desconforto que nos mantém humildes, que nos lembra que por muito mega hiper super cenas que nos sintamos ali em cima, não somos mais do que um simples veículo para a arte que se manifesta através do nosso corpo. Sim, o friozinho é uma espécie de santo a baixar, um alinhamento com o cosmos para o qual podemos ou não estar preparados. Mas quando soa finalmente o primeiro acorde, ele desvanece-se porque também a nossa mortalidade se esvai. E por momentos vibramos só no éter do sublime.
