Editorial #9

Números redondos são sempre mais incontornáveis nestas coisas de aniversários. Num verão em que se celebra a famosa festa no Bronx que, há cinquenta anos, viu nascer o hip-hop, as memórias vêm simultaneamente amargas e doces, imitando o ethos de um género que tem tanto de revolucionário como de fraternal.

Fraternal, se calhar, acaba por nem ser a melhor palavra-chave. Afinal, e tal como acontece na esmagadora maioria da indústria musical, o lugar da mulher no hip-hop sempre foi forjado a pulso, feito de avanços e recuos, eternamente lutando contra um paradigma social e cultural cuja tendência é a de relegar o feminino ao papel de objecto decorativo.

Este fenómeno torna-se ainda mais visível em meios pequenos, como é o caso do português. Não só o hip-hop tuga tardou em chegar ao mainstream (a colectânea Rapública de 1994 é talvez o nosso verão no Bronx), como este atraso levou a que a contribuição feminina demorasse ainda mais a fazer-se sentir de forma expressiva. Enquanto Lauryn Hill, Queen Latifah, ou Missy Elliot já abriam caminho a cotovelo e arrecadavam prémios aqui e acolá, o nosso canteiro à beira-mar plantado teria de esperar pelo ano de 2008 para ver a primeira rapper tuga a lançar um disco em nome próprio.

Numa altura em que se celebra meio século duma cultura, dum género, duma forma de vida, por cá a festa faz-se com Dama Bete, que conta à Playback a história do seu álbum de estreia De Igual Para Igual, lançado há precisamente quinze anos. Nesta edição, olhamos para trás ainda mais duas vezes: a primeira com a entrevista de Rute Correia ao co-fundador da ZigurFest, António Silva, numa conversa retrospectiva que assinala a 12ª edição do festival; e a segunda com um ensaio a seis (!) mãos sobre o verão de 2013 e o impacto que o single “I Love It” de Icona Pop ft. Charli XCX teve na vida da Rute, da Ana, e do Miguel. Mas como não se vive só de passado, olhamos também para o presente e para o futuro, com a entrevista da Ana Margarida aos equinōcio, que preparam o seu primeiro longa-duração, e a segunda parte do ensaio do José Duarte sobre bandas sonoras, desta vez dedicado ao filme Aftersun.

Verões quentes há muitos; mas este tem um gostinho especial de resistência, de solidariedade, e de sobrevivência. Porque enquanto houver música para tocar, a gente vai continuar.

tripeira de nascimento, parisiense por adopção. já escarafunchou muita arte, pisou muito palco, escreveu para muito sítio, e deitou muita carta. doutora em quebrar corações (e não só) e eterna electroclasher.
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