Tenho pensado muito no dilema da Insustentável Leveza do Ser. Milan Kundera tinha razão nas suas palavras, não há forma de navegar no mundo sem enfrentar o peso da gravidade ou o vácuo da leveza.
À medida que fico mais velho, a gravidade parece pesar mais. O próprio corpo vai-se curvando, as pernas são menos inquietas, a inércia aumenta. As notícias não ajudam: a inação carece, muitas vezes, de justificação racional ou emocional, mas o corpo não corresponde.
Foi nesta condição que Franz (personagem do romance de Kundera) se reviu, antes de ser levado na sacudidela da vassoura de Hércules e ter de novo encontrado a leveza. Mal ele sabia que também esta lhe pesaria tanto como a gravidade, não por uma sensação de carga que o puxou para baixo, mas por ter ficado tão leve que descolou do chão e voou à mercê do vento. No caso de Franz, o renovado espírito lutador levou-o para a floresta tropical no sudeste asiático – onde não encontrou sentido, mas encontrou a sua morte.
Se a gravidade nos corrói e a leveza nos esvazia, o meu dilema permanece. O próprio Milan Kundera não dá respostas concretas, apenas cria personagens e narrativas que ilustram o dilema à luz de diferentes prismas. Mas quem diria que um debate do campo da metafísica não geraria respostas fáceis e universais? Tenho a sensação de caminhar num mundo que precisa de respostas fáceis e universais. Também eu perco, por vezes, a paciência quando não as encontro – ou pior – quando não mas dão de mão beijada (quanto mais esquematizadas, melhor).
O pior de tudo é o sentido de vergonha, de perda de identidade ou de passividade num mundo que se quer assertivo, q.b. agressivo, quando não tenho a certeza do que pensar ou de como agir perante o mesmo. Relego-me para os confins do meu íntimo, na esperança de que não me ouçam por telepatia ou por linguagem corporal.
Também isto é suscetível de um debate da gravidade e da leveza, porque a leveza da nuance e da incerteza anula a gravidade da aceitação social, ou mesmo da mudança efetiva. A prática do diálogo foi distorcida e instrumentalizada pelo opressor, foi desvalorizada pelas testemunhas sem poder efetivo, que querem mudança e querem-na rapidamente. O oprimido, como seria de esperar, não tem voz para ser considerado.
Tal como Kundera, eu não tenho respostas para dar aqui. Fazer o exercício de pensar alto sem grande agenda já é um luxo que poucos têm. Se tivesse de rematar com algo “útil” diria para não pararmos com a conversa, para não pararmos de ter dúvidas, que na certeza morre a vontade de descobrir e, com esta última, morre o olho crítico. E, sendo este um espaço para música, diria tal como NERVE em “Gainsbourg”: a verdadeira beleza ainda está no descortinar do detalhe.
Henrique Tomé é um músico, produtor e agente cultural a residir no Porto. Tocou em projetos como Balter Youth, Victoria Vermelho ou Silentide. O seu disco de estreia a solo será editado em breve pela Biruta Records. O single “Rope” pode ser escutado nas mais variadas plataformas de streaming e também abaixo: