HATERS GONNA HATE
Eu gosto de ser um hater. Exprimir os meus sentimentos negativos sobre algo ajuda-me a compreender melhor os meus gostos e interesses e a afunilar o meu nicho. Além disso, torna-me mais capaz de explicar as razões pelas quais gosto de alguma coisa, tanto por contraste como por praticar a linguagem necessária para expressar as minhas opiniões da forma mais elucidativa possível.
Sou da opinião que por vezes a crítica mais sucinta e mais brusca é também a mais eficaz. Quem poderia esquecer a famosa crítica da Pitchfork aos Jet que consistia apenas num vídeo de um macaco a urinar para a própria boca? Podemos considerar uma observação infantil ou injusta – decididamente ofensiva – mas a verdade é que surte o efeito desejado: “eu não gosto disto e acho que quem gosta está errado.”
Podemos debater infinitamente se esta visão é válida ou não, mas na realidade quem expressa o seu ódio com tanta determinação não terá quaisquer problemas em alongar-se numa conversa com alguém que tenha uma opinião contrária: não é uma rejeição de opiniões, é uma declaração de intenções. É possível ainda que nessa discussão ambos cheguem a conclusões mais decisivas sobre o assunto em questão e ganhem uma maior capacidade argumentativa – como se estivessem a jogar Fallout.
Mas a realidade é que as palavras dos haters magoam. De forma geral, poucos artistas gostam realmente de ler ou ouvir uma opinião negativa sobre a sua arte, por muito engraçada ou eloquente que seja. E numa era de “stan culture”, cada vez mais fãs são incrivelmente protetores dos seus artistas favoritos e dirigem legiões de ódio a qualquer crítico que nutra uma opinião negativa sobre o seu trabalho. Juntando isso a uma crescente cultura retrógrada de apreciação de arte controversa apenas pela sua controvérsia ou de “separar a arte do artista”, criamos um ambiente onde só as opiniões positivas são levadas a sério. E muitas vezes uma avaliação positiva não é o suficiente, é exigida bajulação e menos que isso é uma traição. Não é suficiente gostar do BRAT, tens que ser uma BRAT girlie ou então odeias a Charli XCX e queres que ela morra. (Nota do autor: eu gosto do BRAT).
O que isto acaba por incentivar, na minha humilde opinião, é que não haja realmente crítica a ser feita em grande escala. Se todas as avaliações forem positivas, onde se enquadram aqueles que não concordam com a narrativa popular? Refugiam-se em comunidades mais insulares que se dedicam a ofender a pessoa e não o trabalho que faz, porque a linguagem para se ser negativo de forma construtiva está-se a perder aos poucos. Oiço muito mais vezes “não é bem a minha cena, mas respeito” do que “eu não gosto” e não é por não gostar que não exista respeito, mas a primeira frase acaba por parecer mais um insulto disfarçado de elogio ou uma desculpa esfarrapada por não conseguir apreciar da mesma forma. Se existir crítica negativa – e ainda vai aparecendo aqui e ali – tem sempre os clássicos comentários desdenhosos a dizer “tu é que não percebes!”, “pronto, mais um que não sabe do que fala” ou ainda “kys”, o que não ajuda.
Posso fazer um aparte aqui para mencionar que as empresas de comunicação e jornalismo de massas prezam os cliques e o “engagement” acima de tudo o resto e como críticas 100% positivas ou 100% negativas são as que geram mais controvérsia, são as que são mais valorizadas, o que faz com que os escritores sintam a necessidade de adaptar a sua opinião de forma a encaixar nestas classificações, ou pior: os seus textos são tirados do contexto e citados de forma pouco lisonjeira para garantir que haja uma maior reação do público de qualquer forma.
Por causa disto, quando se fala em ser um hater, é esta a imagem que perdura: o troll no seu teclado a cuspir postas de bacalhau sobre variados temas apenas para irritar os outros sem nunca partilhar a sua opinião honesta, e toda a crítica negativa – mesmo que bem fundamentada – é pintada nestas cores, não havendo margem para a subtileza do desagrado ou decepção. Quando eu digo que gosto de ser hater, não estou a dizer que gosto de dar “ragebait” online (só em casos específicos), estou a afirmar-me como alguém que não se importa de ser visto desta forma pois sou convicto nas minhas opiniões e não tenho medo de as partilhar em público, e gostava que mais gente se sentisse confortável para fazer isso, mesmo dentro dos seus nichos e subculturas.
Penso no Anthony Fantano quando escrevo sobre isto pois é talvez o crítico mais conhecido atualmente e também o mais frequentemente odiado e criticado de volta. O gajo explica bem e fundamenta as suas opiniões sobre os discos que não aprecia, mas isso é irrelevante para as pessoas que só leem a descrição para ver que nota deu de 0 a 10 e depois comentam a insinuar que ele é um assassino em massa ou lá o que os miúdos acham graça chamar uns aos outros hoje em dia. Ouvir o Fantano a trashar álbuns que eu gosto ajudou-me a perceber porque é que gosto deles e o oposto também se aplica. Lembro-me de ser o único no meu grupo de amigos que não apreciou o Nonagon Infinity dos King Gizzard and the Lizard Wizard quando saiu e ver o vídeo do Fantano em que ele elogia o álbum fez-me perceber porque é que eles não ouviam o que eu ouvia, mas também afirmou ainda mais os meus problemas com o disco. Sinto o mesmo ao ler o Roger Ebert a criticar o Lost Highway do David Lynch, o Scaruffi a bajular os Korn ou o Steve Albini a queixar-se de Steely Dan: não muda as minhas opiniões sobre o assunto, mas é sempre bom ouvir uma outra perspectiva, principalmente quando é eloquente e informativa.
Por isso deixo aqui um pedido para a juventude que entrou de carrinho na cultura underground graças a acts como os MAQUINA., os black midi ou as boygenius: sejam mais duros uns com os outros, mas não sejam maus. Acima de tudo, gostava que fizessem também arte sem se preocuparem com agradar particularmente a alguma pequena fatia populacional, façam mais música de baixa fidelidade, discos com capas feitas no Paint, páginas de Soundcloud com nomes impossíveis de soletrar e concertos que pagam duas coxinhas de frango e um fino e ainda estragam o amplificador de baixo no processo. Precisamos de mais arte rasca neste mundo para podermos ter mais observações distintas e uma cultura mais forte e determinada. Se calhar no caminho vão acabar por ter cada vez menos haters, até finalmente deixarem de lhes dar importância.
Espero que sim, pois há razões muito mais válidas para não se gostar de música do que por ela ser má. Tipo se os músicos forem sionistas. (Vai-te lixar Thom Yorke, o Moon Shaped Pool é uma merda).
Luís Barreto é membro d’O Triunfo dos Acéfalos e faz parte ainda de bandas como banda de call center, Gonkallo ou ALGOZ.