Sarar feridas com os Capitão Fausto em Subida Infinita

Ainda é aceitável gostar dos Capitão Fausto? Aliás – alguma vez foi aceitável gostar dos Capitão Fausto? Tomás Wallenstein e companhia nunca quiseram propriamente ser os tipos fixes do indie pop português, mas a sorte da história ditou que o seu percurso os transformou, simultaneamente, na mais acarinhada e gozável banda portuguesa da última década pelo público alternativo.

Falo por muito desse público quando afirmo que a música dos Capitão Fausto se tornou uma das bandas sonoras principais para o nosso crescimento. De Gazela (2011) a Capitão Fausto Têm os Dias Contados (2016), a amálgama entre indie pop despretensioso e ambiência urbano-depressiva conquistou o grande público, catapultando a banda lisboeta para se tornar *a* referência da alternativa pop portuguesa da década passada. Se houve artista que aproveitou as sementes deixadas pela FlorCaveira, foram os Capitão Fausto. Canções como “Amanhã Tou Melhor” tornaram-se símbolos do dia seguinte a uma enorme bebedeira; “Morro na Praia” a banda sonora da transição dos “Dias Contados” da adolescência para as vivências de jovem adulto; “Teresa” o hino eterno de uma geração.

Subida Infinita, o novo álbum – o quinto – da banda formada por Tomás Wallenstein, Manuel Palha, Domingos Coimbra, Salvador Seabra e, até este disco, Francisco Ferreira, é o culminar do processo de amadurecimento e aprimoração que os Fausto iniciaram com Os Dias Contados. Mas se A Invenção do Dia Claro, disco que editaram em 2019 entre Os Dias Contados e este Subida Infinita, era o som do festejo luminoso das suas conquistas pessoais e artísticas, Subida Infinita é o som da melancolia a vir ao de cima, embora sem cair no poço de cinismo pop de Os Dias Contados. Pelo contrário, é um disco onde os Capitão Fausto celebram a vida, mas onde também ponderam sobre tudo o que lhes aconteceu nos anos seguintes ao lançamento de A Invenção do Dia Claro. Na magnífica “Muitas Mais Virão”, canção que abre o disco, Wallenstein revela isto no seu gigante refrão: “Enquanto há tempo fazemos a festa, fachada desta nossa tristeza / Há-de haver festa num sítio onde malta se possa juntar / Fazemos a festa com gente cheia desta tristeza / Há-de haver festa até se for para estar a chorar”.

Capitão Fausto
Capitão Fausto. Fotografia: Matilde Travassos

E de facto, muito aconteceu aos Fausto desde 2019. Tocaram, com a Orquestra das Beiras, aquele que terá sido o último registo da vida “normal” antes da pandemia. Apareceram quatro bebés no dia-a-dia do grupo. Francisco decidiu abandonar a música para se focar mais noutros empreendimentos, mantendo a sua ligação a outras aventuras dentro daquilo que é hoje o coletivo/editora Cuca Monga, uma das entidades mais ativas e dinamizadores da cena musical lisboeta. Tocaram na Ilha da Culatra. Fizeram uma digressão extremamente (e talvez excessivamente) longa em torno de A Invenção do Dia Claro e filmaram Sol Posto (2021). O seu amigo Gastão Reis, baixista dos Zarco, faleceu em 2020 quando o prédio que habitava em Lisboa colapsou devido a uma explosão. 

Ao Ípsilon, Domingos Coimbra refletiu como estes momentos, mas especialmente as despedidas, impactaram a banda. “A despedida do nosso amigo Gastão […] mudou todo o nosso grupo, a saída do Francisco a meio do processo, a despedida da vida que tínhamos no sítio onde estávamos antes”, contou o baixista do grupo. Ao mesmo tempo, os Capitão Fausto abraçaram “uma nova vida, vimos novas vidas a começar. Todas as despedidas, quaisquer que elas sejam, são difíceis, mas não têm de ser feitas”, acrescentou Domingos.

Subida Infinita é, tal como o seu predecessor, um muito bom disco que não necessita de ser particularmente interessante para brilhar. As canções estão lá e são todas bonitas, bebendo das influências clássicas dos Fausto: Beatles, McCartney a solo, a transposição de sons do final da década de 60 e início da década de 70 para uma matriz indie pop atual. É uma fórmula que funciona. Custa admitir, mas estes betos de Alvalade (desculpem a repetição da piada) continuam capazes de escrever canções maravilhosas mesmo após estes anos todos. 

Ajuda que os Capitão Fausto se tenham tornado melhores músicos com o passar dos anos. Se em “Morro na Praia” Wallenstein cantava que “Trabalhar nunca me fez bem nenhum”, o trabalho que os Capitão Fausto colocaram em melhorarem enquanto músicos deu frutos. O próprio Wallenstein nunca grunhiu tão bem como neste disco – uma canção como “Nada de Mal” é das suas melhores performances enquanto vocalista dos Fausto. E como se isso não bastasse, o refrão da canção é daqueles que, depois de escutar uma vez, não esquecemos. Das grandes cantigas dos Capitão Fausto, sem dúvida.

Não há propriamente uma má canção em Subida Infinita. Contudo, comparativamente a A Invenção do Dia Claro, há canções que soam exatamente àquilo que se espera da banda. “Cantiga Infinita”, a malha com Tim Bernardes, é uma canção bonita, mas sem dúvida soa ao que imaginávamos ser uma colaboração entre ambos. “Há Sempre um Fardo” é uma bela canção pop, mas já ouvimos os Capitão a fazer esta canção antes. “Nunca Nada Muda” idem – é a “Amor, a Nossa Vida” deste álbum.

Mas há momentos de Subida Infinita em que os Capitão Fausto mostram que ainda têm pernas para inovar e conseguir fazer grandes canções ao mesmo tempo. “Na Na Nada”, com a sua vibe mais eletrónica, é uma excelente canção pop, refrão pronto a ficar preso na cabeça durante semanas. Em “Andar à Solta”, com os seus toques de lounge pop à la Arctic Monkeys em Tranquility Base Hotel & Casino enquanto Wallenstein tenta encontrar respostas para um possível writer’s block, os Capitão Fausto mostram como a sua relação com Diogo Rodrigues (aka Horse) potencia o som da banda. Não há nenhum outro projeto ligado à Cuca Monga que beneficie tanto do seu aprimorar psicadélico como os Capitão Fausto.

Não restam dúvidas de que Subida Infinita foi o disco mais complicado que os Capitão Fausto tiveram de fazer até ao momento. Não é o seu melhor, mas talvez seja aquele que lhes foi mais necessário colocar cá fora. Na fantástica “Nuvem Negra”, com os seus devaneios prog-espiritual, que essencialmente fecha o disco, Wallenstein não esconde esse sentimento. Logo a abrir, canta: “Tentei resolver mas dificultou / Tornou-se impossível porque já se passou / Eu disse a toda a gente que este dia nunca nunca viria”. 

Privilégios à parte, os Capitão Fausto transformaram as nuvens negras que permearam a sua vida nos últimos tempos em cantigas que ajudaram a sarar as feridas abertas. Com Subida Infinita, a banda fecha um capítulo da sua história; simultaneamente, abre o próximo. Daqui para a frente, temos de esperar para ver o que os Capitão Fausto têm na manga para continuar na estrada. A certeza, porém, parece ser uma: continuarão a fazer grandes canções.

Os Capitão Fausto vão tocar Subida Infinita um pouco por todo o país. A acompanhá-los em palco estarão Miguel Marôco nas teclas e Fernão Biu nos sopros.

Cucujanense de gema, lisboeta por necessidade. Concluiu um curso de engenharia, mas lá se lembrou que era no jornalismo musical e na comunicação onde estava a sua vocação. Escreveu no Bandcamp Daily, Stereogum, The Guardian, Comunidade Cultura e Arte, Shifter, A Cabine e Público, foi outrora co-criador e autor da rubrica À Escuta, no Espalha-Factos, e atualmente assina textos no Rimas e Batidas e, claro está, na Playback, onde é um dos fundadores e editores.
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Fechar um capítulo para abrir um novo ao som de grandes canções pop.

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