É obrigatório escutar os Diagonal

Há praticamente um ano, quando os YAKUZA publicaram 2, o coletivo lisboeta declarou em entrevista à Playback que a “música rock” teve grande influência na criação do disco. Porque é que isto importa? Porque 2 serve como um momento de transição para a presença de uma sonoridade rock pujante e dançável no seio do nu-jazz português. Prova #1: Ponto de Fuga, o disco de estreia dos Diagonal, editado de forma independente no início deste mês de outubro.

Originários de Lisboa, os Diagonal passaram os últimos dois anos a afinar as suas cordas e dotes pelos espaços noturnos mais pequenos da capital: no BUS Paragem Cultural, no Com Calma e Cultura, no Má Língua, no Cossoul, no Titanic sur Mer (curiosamente, numa noite onde também tocaram os YAKUZA), e na Casa do Comum. Todos estes são espaços marcados por uma afinidade ao diferente, ao incomum, e à relação muito próxima entre público e músicos. Nestes sítios, soa-se e dança-se. Talvez isso ajude a explicar como António Santos (guitarra), António Pinto (baixo), Philippe Paymal (baixo) e Francisco Guedes (bateria) chegaram a uma sonoridade que mais se aproxima de uma banda de rock musculado na cave de um clube minúsculo do que de um quarteto de jazz a tocar notas intimistas num bar a uma segunda-feira à noite.

Nada em Ponto de Fuga foi deixado ao acaso. Pelo contrário. Há intenção em tudo o que é apresentado neste EP. Das composições à gravação, há a intenção de mostrar que os Diagonal levam o jazz muito a sério, mas que não pretendem, tal como os YAKUZA (e outros, como os SAMALANDRA ou os Melquiades), jogar no mesmo campo dos piores vícios que a escola jazzística em Portugal tem para oferecer. Mesmo que o fantasma do improviso ligado ao Hot Clube de Portugal paire sobre os Diagonal (escutar com atenção “Escrutassius”), este rapidamente dissipa-se quando o quarteto começa a “rockar” à moda do jazz londrino contemporâneo embebido pelas influências de projetos como Weather Report ou BADBADNOTGOOD. Isto é jazz influenciado pela Internet, por videojogos, pelos tempos de agora.

“Bom Dia”, a abrir o álbum, revela-nos um pouco sobre as cores que os Diagonal utilizam para pintar as suas composições. As teclas soam quentes, muito inspiradas pelo universo de jazz fusion japonês de bandas como os CASIOPEA ou T-Square, enquanto a componente instrumental mais típica do rock – a guitarra, o baixo, e a bateria – complementa a nostalgia que nos aponta na direção de um passado que quase soa a futuro. Será este jazz, tal como o jazz dos YAKUZA, retro futurista? De certa forma, sim. 

Tal como a cultura automobilística japonesa entre finais da década de 70 e meados da década de 80 foi marcada por essa combinação entre passado e futuro (ver a capa de CASIOPEA), também o jazz dos Diagonal tenta cruzar esses “tons” – chamemos-lhes assim – para criar música do presente. Música desconcertante, às vezes mais claustrofóbica (a algo eletrónica “Tempura”), outras vezes mais amorosa (“Escrutassius”), mas sempre intensa. Sinais dos tempos em que vivemos? Parece que sim. 

Quando os sintetizadores se elevam em “Psicose de Guedo” (excelente nome para uma canção), sentimos a ânsia que abunda nestes tempos de engano e de alienação coletiva que parece interminável. Quando os instrumentos colidem no clímax de “Quim Zé”, porém, a força do momento bem pode servir como ímpeto para abrir uma porta rumo a um futuro utópico que parece alcançável. Se há algo que os Diagonal tentam comunicar em Ponto de Fuga, é que é necessário um escape anti-regras face à psicose atual. Tendo isso em mente, só se pode concluir uma coisa: Ponto de Fuga é de escuta obrigatória.

Cucujanense de gema, lisboeta por necessidade. Concluiu um curso de engenharia, mas lá se lembrou que era no jornalismo musical e na comunicação onde estava a sua vocação. Escreveu no Bandcamp Daily, Stereogum, The Guardian, Comunidade Cultura e Arte, Shifter, A Cabine e Público, foi outrora co-criador e autor da rubrica À Escuta, no Espalha-Factos, e atualmente assina textos no Rimas e Batidas e, claro está, na Playback, onde é um dos fundadores e editores.
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Jazz-rock incapaz de ficar preso a dogmas e cânones.

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