Entre medos e inseguranças, o Suspiro…. de Maria Reis

A cena musical portuguesa tem sido historicamente dominada por vozes e presenças masculinas, deixando uma lacuna significativa na representatividade feminina. Sim, hoje, aos meus 30 anos de idade – e nos 50 anos de abril – ainda existe uma necessidade de abordar este tema. Digo isto não só pela minha própria experiência e paixão pela música, mas pela importância de criar um espaço onde todas as vozes possam ser ouvidas e celebradas.

Escrever este ou qualquer texto que envolva grupos com pouca representatividade é, para mim, um ato de afirmação e esperança para que mais vozes possam encontrar, no panorama musical português, um reflexo autêntico das suas experiências, talentos e perspectivas. A Garota Não, Capicua, Joana Espadinha, MARO, Rita Vian, … – quão bom é viver na mesma época em que estes nomes e tantos outros acontecem no feminino? A representatividade é crucial para inspirar futuras gerações e garantir que a diversidade cultural do nosso país seja valorizada. A luta é contínua e todas as oportunidades são valiosas.

Neste sentido, foco as minhas atenções naquela que se tornou uma figura marcante no meu percurso e na cena musical portuguesa: Maria Reis, que mergulha de cabeça numa jornada de autoconhecimento e reflexão no seu mais recente trabalho: Suspiro… – uma viagem intensa, marcada pelas complexidades da vida, do amor e das inseguranças.

Maria Reis - Suspiro...
Maria Reis. Fotografia: Tomé Silva

Suspiro…, o mais longo registo desde os seus dias com as Pega Monstro (o power duo das irmãs Reis, que nos lançaram um single teaser, “Willkommen”, no final do ano passado e das quais espero ansiosamente pelo próximo trabalho), é um testemunho de maturidade artística e da sua capacidade de reinvenção contínua. Demonstra não ter medo de explorar territórios desconhecidos, expondo todos os medos e inseguranças que os 30 anos provocam.

Corria o ano de 2021 e numa daquelas primeiras tentativas de desconfinamento, pairava em Guimarães o primeiro vislumbre do EP A Flor da Urtiga no festival Vai-m’à Banda. Lembro-me de ter ficado deliciada com aquele concerto. Ok, talvez fossem as saudades de ouvir música ao vivo, mas creio que fossem, ainda mais, as saudades de ver a Maria em cima de um palco. Sentia-se um nervosismo escondido atrás da guitarra, mas as letras – oh pá! Estava ali a Maria que representava os meus devaneios e, acredito, de tantas outras. Em 2024, a prova do seu talento enquanto letrista e compositora chega de um modo destemido ao expôr em 11 canções todas as ansiedades e inseguranças que, de algum modo, foram ressoando em todos nós que a acompanhamos.

Maria Reis, a brava, não tem medo de explorar territórios nas suas composições. Cada faixa deste trabalho é uma jornada por paisagens sonoras distintas, desde o ambiente melancólico de “Fado do Salineiro” até a intensidade emocional de “Holofote”. É esta capacidade de transcender fronteiras e criar algo verdadeiramente único que torna Suspiro… uma experiência auditiva tão cativante.

É na faixa “30” que ela confronta a passagem do tempo e os medos que surgem com ela – pensava eu numa das primeiras audições: “mesmo! quem nunca, amiga?” (num desejo intrínseco de fazer parte dos cool kids alternativos) – , enquanto em “Coisas do Passado” opta por revisitar memórias antigas, agora reinventadas com uma rica camada de arranjos musicais que criam um contraste poderoso que ecoa através de todo o álbum.

O trabalho vocal de Maria Reis também merece destaque. É dentro deste novo universo, entre sonhos e melancolia, que encontramos uma menina que abraça a voz crua que se dilui nas texturas musicais do álbum – onde as guitarras elétricas ganham, também elas, um espaço mais evidente. Suspiro… é coeso, uniforme e adiciona uma camada de autenticidade àquilo que Maria Reis representa para todas nós.

Com sua profundidade emocional, letras perspicazes e uma abordagem musical ousada, este álbum é uma reflexão sincera da jornada artística e pessoal de Maria Reis. É um suspiro musical que captura não apenas o momento presente, mas também a essência atemporal da experiência humana.

Nascida em Braga, teve o seu primeiro contacto com o mundo nos anos 90. Copywriter de gema, fez crítica musical e gestão de projeto na Que Amor É Este, mas foi na Bazuuca que se afirmou como "a eterna estagiária". Quando está fora da internet, é fácil apanhá-la na sala de concertos mais próxima.

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