Olivia Rodrigo e a arte de meter as tripas cá para fora

O novo disco de Olivia RodrigoGUTS – é um ótimo disco pop. Possivelmente, até o melhor do ano nesta categoria. Afirmação arrojada esta que estou a fazer, mas em 2023, no que ao mainstream diz respeito, não houve lançamentos que me colaram tanto quanto o de Olivia (talvez o de Lana Del Rey, mas Did you know that there’s a tunnel under Ocean Blvd, tal como todos os seus trabalhos pós-Norman Fucking Rockwell!!, é menos pop para massas e mais experiência melodramática que requer uma digestão mais longa).

Após SOUR, longa-duração que tornou a ex-estrela da Disney na nova coqueluche da pop do pós-Billie Eilish, estava com alguma curiosidade para perceber qual seria o próximo move de Rodrigo. Apesar de não ter adorado SOUR, os seus melhores momentos, como a estupidamente divertida “brutal” ou a catártica “deja vu”, ofereciam uma amostra de que tinha algo mais na sua manga para oferecer. Com GUTS, cumpre isso. No processo, Olivia mete as tripas todas cá para fora.

Meter tudo cá para fora não é único a GUTS, contudo. Aliás, Rodrigo é perita nisso. Em SOUR, passou grande parte do disco a cantar sobre amor e desamores. Em GUTS, passa – adivinhe-se – grande parte do tempo a cantar sobre amor e desamores (hoje situationships). A diferença é que, se em SOUR Rodrigo escrevia muitas vezes unicamente a partir da sua perspetiva, em GUTS também reflete sobre o seu papel no desenrolar da ação. Pelo meio, causa caos, liberta-se e diverte-se (sim, há aqui um pouquinho de clichê – mas não há mal). Devido à causa e efeito, nós também.

Em GUTS, não existe nenhuma canção como “drivers license” – a faixa que transformou Olivia Rodrigo, via TikTok, de querida da série de High School Musical da Disney em estrela pop à escala mundial. Porém, GUTS não precisa de nenhuma “drivers license”. Rodrigo já a fez, não precisa de se repetir. Quando existem momentos de GUTS que soam demasiado próximos de SOUR, como as baladas “the grudge” ou “logical”, é quando o disco se despersonaliza e se torna mais aborrecido.

Porém, isto não é para dizer que todas as baladas de GUTS abrandam o disco. Uma faixa como “making the bed”, catártica, onde Olivia reflete sobre as suas experiências com a fama (“Well, sometimes I feel like I don’t wanna be where I am / Gettin’ drunk at a club with my fair-weather friends / Push away all the people who know me the best / But it’s me who’s been makin’ the bed”), conquista-nos. Uma canção como “vampire”, peça central da intriga e candidata a melhor canção de Rodrigo (mesmo à frente de “jealousy, jealousy”), é maravilhosa, tanto pela sua composição, como pela sua escrita (“I’ve made some real big mistakes / But you make the worst one look fine” são dos versos mais identificáveis do disco). Em “teenage dream”, belíssima canção que termina o álbum e conta com alguns dos versos mais bonitos e sinceros da sua curta carreira (“Oh, they all say that it gets better / It gets better the more you grow / Yeah, they all say that it gets better / It gets better, but what if I don’t?”), Rodrigo lembra-nos que o sucesso das suas canções está em encontrar equilíbrio entre vulnerabilidade (nostálgica e não só) e catarse. Quando isso acontece, surgem canções como estas, canções como “drivers license” ou “deja vu”, que encontram o caminho para os nossos corações na era do TikTok e reavivam experiências da era do Tumblr. Por outras palavras, encantam miúdos, não-tão-miúdos, e uns quantos adultos. Experiências universais, portanto. Daí tudo isto ser pop.

Contudo, e apesar do sentimento que as melhores baladas de GUTS adicionam ao álbum, é quando Rodrigo se liberta e se transforma naquela que podia ser a nossa melhor amiga deranged – que continuamos a adorar apesar de todas as situações insanas em se coloca – que o disco atinge um patamar superior face a muita outra pop contemporânea. Quando Rodrigo se está a divertir, nós também nos divertimos a escutá-la. Felizmente, isto aplica-se a praticamente toda a duração deste GUTS.

Para SOUR, “brutal” foi a última canção escrita por Olivia Rodrigo e Dan Nigro, seu principal colaborador e produtor. Esse facto serve de alavanca para as canções de GUTS, onde a mesma fórmula de pop rock jovial (ou “pirralho”, como lhe chamou Pedro João Santos no Ípsilon) de “brutal” é aplicada. É nesse campo, entre as influências do rock alternativo feminista dos anos 90 (não é à toa que Breeders vão andar a abrir para Olivia em 2024) e pop punk dos anos 2000 (mas sem a misoginia e cultura frat boy à mistura), onde Olivia mais brilha. Escute-se “all-american bitch” – título emprestado de uma citação do livro The White Album de Joan Didion –, canção imperial que abre GUTS onde, com muito humor à mistura, Rodrigo debate-se com as expectativas colocadas numa jovem americana com estatuto de pop star como ela o é.

Tal como em SOUR, a abertura de GUTS deixa-nos com apetite para mais. Por sorte, Olivia não demora a entregar-nos mais canções para gritarmos com ela. Em “bad idea right?”, uma das canções mais divertidas do disco, Rodrigo canta sobre desejos de voltar para o ex (“Oh, yes, I know that he’s my ex / “But can’t two people reconnect? / I only see him as a friend / I just tripped and fell into his bed”). Em “love is embarrassing”, faixa que lembra alguma new wave, berra sobre vai começar a Terceira Guerra Mundial por causa da sua nova crush (“My God, how could I be so stupid? / You found a new version of me / And I damn near startеd World War III / Jesus, what was I even doin’?”). Na fantástica “ballad of a homeschooled girl”, berra sobre ansiedade social (“Each time I step outside, it’s social suicide”). Em “get him back!”, faixa também ela bem divertida e orelhuda, onde até escutamos Olivia a fazer uma espécie de rap decente à la Beastie Boys¸ canta alguns dos versos mais icónicos do disco (“I wanna kiss his face with an uppercut / I wanna meet his mom, and tell her her son sucks”). As estrelas pop também são como nós! Já todos estivemos aí, Olivia.

Se Rodrigo passa grande parte de GUTS a debitar sobre as suas próprias inseguranças, é natural que nós, quem escuta – e eu estou aqui incluído –, encontremos algum alento nas suas cantigas. As suas canções soam bem, mas não reinventam a roda – há um fator de nostalgia (bem presente na cultura pop atual) que ajuda à familiaridade com esta fórmula. Em GUTS, apesar de continuar a ser fácil de notar quem são as referências para Rodrigo (Billie Eillish,Hole, Paramore, Taylor Swift) – coisa que também Olivia nunca escondeu –, Rodrigo, ao estar mais consciente de quem é, aprimora a fórmula do que torna as suas canções tão cativantes e diferenciadas na pop mainstream de hoje.

A Olivia Rodrigo vem tocar ao Altice Arena a 23 e 24 de junho de 2024, mas por causa da LiveNation, comprar bilhetes já é impossível.

Cucujanense de gema, lisboeta por necessidade. Concluiu um curso de engenharia, mas lá se lembrou que era no jornalismo musical e na comunicação onde estava a sua vocação. Escreveu no Bandcamp Daily, Stereogum, The Guardian, Comunidade Cultura e Arte, Shifter, A Cabine e Público, foi outrora co-criador e autor da rubrica À Escuta, no Espalha-Factos, e atualmente assina textos no Rimas e Batidas e, claro está, na Playback, onde é um dos fundadores e editores.
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