A verdade absoluta de JÜRA

Escrevo ou não escrevo? Não vos passa pela cabeça a quantidade de vezes que lutei com este dilema até decidir trazer-vos este texto – que vos escrevo com todas as emoções à flor-da-pele para vos provar, uma vez mais, que a música tem um poder curativo. Se é a primeira vez que me mostro vulnerável aqui? Não, de todo. No entanto, é a primeira vez que abro o meu coração para vos falar sobre amor. Sim, esse sentimento que tem tanto de bonito como de doloroso. Sou uma hopeless romantic virgo e o amor move-me, admito. “Acho que a palavra «libertar» adapta-se bem àquilo que faço enquanto writer”, dizia o nosso Miguel Rocha no seu mais recente texto, e cá estou eu a teclar para me libertar. Não me tinha apercebido o quão intensa sou até há uns tempos – penso muito, sinto muito, demonstro muito, dou muito. Já pedi tantas desculpas, já me odiei tanto, por sentir que esta intensidade que vive dentro de mim assusta e afasta pessoas. Chego à conclusão que não me valorizo o suficiente a partir do momento em que tento ter uma postura diferente perante alguém para não deixar a pessoa escapar entre os dedos. De facto tento, mas nunca consigo, o que me leva a perceber que é algo que faz – e vai sempre fazer – parte de quem eu sou e, por isso, devo aceitar e abraçar com todas as forças. Agradar aos outros? Não. Agradar-me a mim? Sim.

Amor.

No vasto palco da vida, o amor é a peça mestra que nos conduz por enredos tanto apaixonantes quanto inquietantes. É uma dança entre o passado e o presente, onde concordar com a mudança é a coreografia que nos leva a aceitar o que foi e abraçar o que é. O amor é tanta coisa. Inclusive, é deixar ir quem quer partir, mesmo que isso signifique largar um pedaço do nosso coração pelo caminho. Mas é neste ato de desapego que encontramos o verdadeiro amor-próprio e caminho a seguir. O amor não é apenas um sentimento. O amor é também uma viagem de autodescoberta, onde aceitar as nossas próprias (im)perfeições torna-se tão – ou mais – importante quanto aceitar as dos outros. No final, o amor é uma celebração da transformação, da aceitação e da autoestima; é uma harmonia de emoções que nos ensina a amar a nós próprios incondicionalmente, para que consigamos, por sua vez, amar o que/quem nos rodeia com a mesma impetuosidade.

JÜRA
Fotografia: Joanna Correia

Se há alguém que verbaliza o amor e a dor do amor como ninguém é JÜRA. Deu asas às suas fantasias sónicas com os singles “ÉS O AMOR” e “somozumnãodois”, e em Maio de 2022 lançou o seu primeiro EP, jüradamor. Em entrevista ao Espalha-Factos, contou(-me) tratar-se de “uma viagem pela tristeza, pelo encontro entre o amor e a dor e pela beleza que daí nasce”. Ouvir JÜRA é terapêutico e eu que o diga. Todas as suas letras têm profundidade; são como poções mágicas que têm o poder de dar colo e de curar quem as escuta com atenção. Com uma perícia única, ela entrelaça palavras com uma sensibilidade que transcende a música e torna-se um bálsamo para os corações feridos que vagueiam por aí; ela acolhe-nos, de braços abertos, nos seus temas, mostrando que não estamos sozinhos nas nossas lutas e emoções, e isso é mesmo bonito. Diga-se que as suas canções são como abraços sonoros, calorosos e aconchegantes. Neste mundo frenético, a JÜRA é o silêncio reconfortante que nos permite ouvir a nós próprios. Perdemo-nos nas suas canções para nos encontrarmos novamente. Desde que ouvi rés.tu, o mais recente EP de JÜRA, pela primeira vez (confesso que, desde então, ouço em loop todos os dias), sinto que tenho vindo a caminhar para um lugar melhor que está cada vez mais em concordância com quem eu sou ou com quem vou descobrindo que sou – isto é mágico. O segundo curta-duração chegou aos nossos ouvidos no passado mês de julho, sem qualquer aviso prévio. Hoje em dia a promoção é parte de qualquer lançamento e tem-me feito falta, até como consumidora, receber sem aviso. Ouvir primeiro e saber mais depois. Foi o que fiz aqui”, conta-nos.

E o que temos então aqui? Basicamente, um punhado de excelentes canções que testemunham uma destreza invejável para arquitetar beats dançáveis que nos entram facilmente na corrente sanguínea, e refrões pegajosos, mas com uma cadência sólida e meticulosa, culminando em faixas que contagiam quem as ouve pela sua intensidade e irreverência (props também ao DØR  aka Miguel Ferrador – o génio por trás desta produção épica). Há pop, R&B, hip-hop; e, pela primeira vez, ouvimos JÜRA a explorar as sonoridades frenéticas do drill. Sobre esta nova abordagem sonora, partilha com a Playback: “Eu quero fazer tudo o que me apetecer. Ouço música muito diferente, sinto que todos os estilos complementam momentos diferentes da nossa vida e, por isso, gosto de me ouvir em estilos diferentes também, que vão de acordo ao que estou a sentir naquele dia/momento”. Quatro canções. Quatro pessoas. Quatro histórias. Quatro hinos necessários que soltam desabafos de forma brutalmente honesta. “É o partilhar de folhas soltas que fazem parte do mesmo livro, mas em capítulos muito diferentes. Quatro vidas numa só”, revela.

“Hoje ainda quero falar / Ainda há tanto por dizer” é a primeira frase que ressoa assim que se coloca rés.tu no posto de escuta, com “últimobeijo” a dar o pontapé de saída. Começa com nuances suaves e contemplativas, mas JÜRA rapidamente desconstrói toda a atmosfera, criando um universo catártico e efusivo – “vou abrir o meu peito / até deixar de ter vontade” –, num ambiente sonoro que é imensamente arrebatador. Não devemos ter medo de sentir pelas consequências que isso pode trazer. Há coisas sobre as quais não temos controle e a mudança é algo inevitável. O “últimobeijo” fala sobre permitirmo-nos sentir o que estamos a sentir no momento, desfrutar do sentimento até ao último segundo, porque de um dia para o outro tudo pode mudar; sobre estar ciente que a viagem a dois está prestes a terminar; sobre querer eternizar todos os momentos e todo o amor num último beijo que se materializa numa despedida. Com as suas batidas intensas e profundas em loop, chega-nos “intimidade”, mais uma faixa com uma pujança emocional altamente tocante, mas que nos faz desassociar dos nossos corpos, convertendo-nos em máquinas de dança de carga ilimitada.

A JÜRA sabe perfeitamente como deixar alguém meloso e feliz ao mesmo tempo. Nesta fala sobre o medo de sentir; sobre esse receio que surge da vulnerabilidade inerente ao amor e à intimidade, porque abrir o nosso coração a outra pessoa implica o risco de sermos magoados ou rejeitados – “quando deixei o cupido furar o meu coração / foste embora sem deixar aviso”. Mas a vida mostra-nos o caminho a seguir, mostra-nos que a intimidade pode ser bonita, mas mais importante ainda é protegermo-nos – “mas lembraste-me de quem é que eu preciso / de mim, de mais ninguém preciso”.

Já a chegar à reta final do EP encontramos “sente”, um pequeno choque de energia efervescente transmitida num flow maleável e numa pitada de ousadia. Canta sobre abraçar o passado, as memórias que perduram e as pessoas que deram mais cor à nossa vida, mesmo que tenham seguido caminhos diferentes – “coração ainda te guarda e a alma ainda te fala / mas tive que deixar a carga p’ra poder ir”. Por vezes, ditar o fim é necessário, mas isso não invalida toda a história que está para trás. Nesta experiência sonora transcendente, que mira a (des)preocupação do que nos apoquenta, deixem-se levar pelas emoções e gritem com toda a voltagem presente nos pulmões para aliviar todas as frustrações. Há um momento ideal para isso, no fecho do EP com “bem+”, que fala sobre não deixarmos ninguém calar a nossa voz – “tu não sabias / que o que eu tenho em mim por dentro / não dá p’ra calar”. É aqui que se dá o fecho de um ciclo, quando entendemos o nosso valor e não permitimos que nada nem ninguém o diminua – “porque eu sou bem mais / bem mais do que o que entendes”. É uma vibe, sim, mas uma que soa, acima de tudo, necessária.

A JÜRA tem uma energia inesgotável e este EP, que carrega uma evolução temporal absolutamente fascinante, é mais uma prova disso. O que é que dirias que mudou do jüradamor para o rés.tu – perguntámos a JÜRA. “Mudou tudo menos a fonte, que sou eu. Em mim não mudou nada, na forma como me expresso, mas a nível de produção a liberdade de experimentar e de ir a sítios diferentes aumentou. E os recursos aumentaram também. O jüradamor nasceu em casa em loops e estava muito tempo guardado na minha cabeça até gravar. Agora é tudo feito ao mesmo tempo – composição, produção, etc – e gravamos logo coisas, a maior parte, na verdade”. Neste rés.tu encontrarão um refúgio para se sentirem amados e amarem (eu senti). É difícil ficar indiferente a este pequeno mas belíssimo projeto. Obrigada JÜRA por seres cura, por partilhares a tua “verdade” que é a de tantos nós e por mostrares o quão importante é “aceitarmos o passado e pensarmos sobre ele para vivermos melhor o futuro”. O futuro da música portuguesa passa por ti.

Nascida e criada em Aveiro, mas com a Covilhã sempre no coração, cidade que a acolheu durante os seus estudos superiores. Já passou pelo Gerador, e pelo Espalha-Factos, onde se tornou coautora da rubrica À Escuta. Uma melómana sem conserto, sempre com auscultadores nos ouvidos e a tentar ser jornalista.
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Amor, poesia e ritmo.

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