16 de julho é um dia importante para a história do hip hop tuga. É o dia em que, no ano de 2008, foi lançado por uma major – neste caso, a Universal – o primeiro disco de uma rapper feminina a solo em Portugal. Falamos, portanto, de um disco chamado De Igual Para Igual. A artista, uma jovem de cerca de 24 anos na altura, era Elizabet Oliveira – mais conhecida por Dama Bete.

Em 2008, ano em que irrompeu uma crise financeira devastadora, o hip hop português era um universo muito diferente daquele que se vive hoje. A cena era bastante falocêntrica, e ainda estávamos longe do pico da popularidade. No meio disto tudo, quase por acaso, surgiu Dama Bete. Antes de ter assinado pela Universal e editado De Igual Para Igual, produzido pelo seu irmão, Macaco Simão, Elizabet já tinha feito as rondas no hip hop português, ao criar o website HipHopLadies, plataforma que no início dos anos 2000 se revelou muito importante na divulgação do hip hop feminino em Portugal.

Mas depois do lançamento do seu disco de estreia – e, até à data, único – Dama Bete desapareceu dos holofotes. Ao longo dos anos seguintes, a “filha da geração da Internet”, como Davide Pinheiro a apelidou no Diário de Notícias em 2008, foi fazendo aparições esporádicas no mundo da música, mas em 2014, com um concerto no Rio de Janeiro a abrir para Marcelo D2, seria a última vez que pisaria um palco. A partir daí, a artista mudou de vida: hoje em dia, é product designer e front-end developer.

Capa De Igual Para Igual
Capa De Igual Para Igual

Eis que, no passado dia 1 de julho, Dama Bete regressou aos palcos (e saiu da semi-reforma). No último dia do Sumol Summer Fest, integrou as Guerrilla Girls, lado a lado com Cíntia, Carla Prata, Eva RapDiva, Blaya, Muleca XIII e DJ Allexia, para celebrar um pouco da história do hip hop feminino em Portugal, celebração ainda mais importante de assinalar num ano em que a cultura hip hop faz 50 anos.

Para celebrar os 15 anos do seu único disco, a Playback sentou-se à conversa com Elizabet para que ela nos contasse como tudo aconteceu – e o que ainda está possivelmente para vir.

Atuaste recentemente no Sumol Summer Fest como parte das Guerrilla Girls. Como correu essa experiência?

Foi boa. Já não atuava mais ou menos há dez anos. O último concerto que dei tinha sido no Rio de Janeiro, a abrir para o Marcelo D2, e acho que esse foi o meu último concerto como Dama Bete. Depois disso tive uma ou outra participação num concerto de outras pessoas, mas depois emigrei. Então, no Sumol Summer Fest estava muito nervosa porque já há dez anos que não pisava um palco assim de música. Mas correu bem! Senti que estava um pouco apagada comparada com as outras colegas das Guerrilla Girls, que interagiram mais com o público, e eu já não estou muito habituada a esse tipo de interação. Quando entrei [em palco], fiquei um pouco apagada, sem saber bem o que fazer. Ou seja, limitei-me a cantar as minhas músicas, falei um pouco pelo meio, mas já não tinha a mesma forma de estar em palco.

Sentiste essa diferença, portanto, entre a Dama Bete de outrora e esta?

Sim. E outra coisa também que me aconteceu [risos] foi que estava habituada que as pessoas soubessem o “Cala-te” de cor. Então, houve uma parte em que virei o microfone para o público e ninguém sabia a música [risos]. Mas já se passaram quinze anos, é normal que ninguém saiba.

Essa história é engraçada, mas ao mesmo tempo um pouco triste, de pensar que a memória da tua música se apagou. Neste mês faz 15 anos que lançaste o teu disco de estreia – e único –  como Dama Bete, De Igual Para Igual. Como olhas para esse aniversário?

Para mim, foi todo um processo. Quando deixei de fazer música, sinto que já não gostava de ser a Dama Bete e não me orgulhava muito daquele álbum. Teve de passar muito tempo para eu conseguir ouvir as músicas e ver os vídeos de outra forma. Foi preciso se calhar mais de dez anos, e agora fazendo quinze, para ter orgulho no que fiz. Mas durante muito tempo, não sei. Não gostava dos vídeos… não gostava do que via. Só que passado este tempo todo é que já olho para Dama Bete como quem eu fui há algum tempo. Então, já consigo pensar que era outra época, eu era outra pessoa, e já me consigo orgulhar daquilo que fiz. Consigo até ouvir o álbum e sentir que, apesar de terem passado quinze anos, está atual. Mas confesso que tive ali um período em que não gostava do álbum. Foi preciso este tempo todo para voltar a gostar e não ter vergonha do que fiz.

Porque achas que sentiste esse desligar daquilo que fizeste como Dama Bete?

Na época em que lancei o álbum, tive muitas críticas e não estava preparada para certo tipo de exposição, principalmente pelo cyberbullying. O vídeo da “Cala-te” foi se calhar um dos primeiros vídeos portugueses a ter milhões de visualizações e os comentários eram muito negativos. Diziam coisas como “és muito magra”, “és feia” ou “não tens mamas”. Cenas do género. Era cyberbullying, mas ninguém falava sobre isso e eu fui exposta a isso e não sabia lidar. Então, algo que era para ser positivo transformou-se em algo negativo e só agora, passado este tempo todo, é que consigo ir ao vídeo, seja o da “Cala-te” ou o da “Definição de Amor”, e ver comentários de pessoas passado estes anos todos a serem positivos. Mas naquela época, os comentários eram muito negativos. Muitas pessoas nem ouviam a música, iam simplesmente lá para fazer cyberbullying.

E também na época o hip hop… Lembro-me de um dos meus primeiros concertos, que foi na Casa da Música. Era um festival de hip hop, e eu ia ser depois dos Nigga Poison e antes dos Dealema. E eu só olhando para o cartaz percebi que estava mal feito. Naquela época, principalmente as pessoas mais puristas do hip hop, não me aceitavam mesmo como hip hop. Então, porem-me depois dos Nigga Poison e antes dos Dealema, vi logo que a coisa não correr bem. Quando acabaram os Nigga Poison e começou o meu concerto, as pessoas começaram logo a atirar-me isqueiros e coisas assim. Foi das minhas primeiras experiências num palco grande e eu, a dada altura, falei com o público e disse que se não quisessem ver o concerto, podiam ir embora. E a partir daí as pessoas tiveram outra atitude e o concerto tornou-se positivo. Mas nessa época havia muita negatividade, apesar de também ter havido um lado bom. Por exemplo, a certo ponto, a minha banda era o meu irmão [Macaco Simão] como DJ, algumas amigas, e fizemos coisas que eu jamais sonharia fazer, como ter um concerto nos Açores ou no Porto, estar em hotéis, ou ir para o Rio de Janeiro ou São Paulo. Houve esse lado positivo. Mas depois houve outro lado negativo que foi essa tal exposição para a qual não estava preparada.

Tu foste a primeira mulher do hip hop a lançar um disco por uma major, e na altura – e ainda hoje – o hip hop português era dominado por homens, o público era extremamente masculino.

Sim. E eu acho que também teve a ver com o meu tipo de música. Se tivesse lançado um álbum em que o tipo de instrumental fosse mais parecido com o de outros artistas da altura, mais com um certo tipo de sample e um hip hop mais purista, se calhar tinha sido um pouco diferente. Mas na época as minhas influências eram coisas de que gostava. Sempre gostei de Missy Elliot, da produção tipo Timbaland, e até hoje gosto muito de hip hop inglês, que tem um tipo de sample um pouco diferente. E eram essas as minhas influências. Eu fiz os instrumentais depois com o meu irmão, que na época foi o produtor do disco, e também sinto que isso trouxe algum hate de que aquilo não era hip hop, era R&B.

Em algumas entrevistas da altura falavas disso… As pessoas sentiam que por seres mulher não podias fazer hip hop, mas obviamente que a tua música era hip hop. Tu antes de seres a Dama Bete, estavas num grupo, as Blacksystem, onde também estava a Blaya. Como foi o caminho até te lançares a solo?

Tanto eu como o meu irmão sempre fomos muito nerds. Por exemplo, ele na altura tinha um site, que era o improviso.net, e eu que imitava tudo o que o meu irmão fazia, decidi criar também o meu próprio site, que era o HipHopLadies. A minha ideia para esse site surgiu quando o meu irmão organizou um evento de hip hop na Parede, na Escola Secundária da Madorna, e convidou muitos artistas que vieram do Barreiro e da Linha de Sintra. Foi a primeira vez na vida que vi grupos de hip hop português atuarem. E nesse festival havia duas raparigas que estavam a atuar, as Backwards, que era o grupo da Telma Tvon. Foi a primeira vez também que vi raparigas a fazerem hip hop português. Devia ter uns 13, 14 anos. E fiquei muito surpreendida, porque naquela altura nos sites de hip hop não havia muita menção a mulheres. Então pensei que se calhar podia fazer um site de hip hop feminino para tentar perceber se havia mulheres e para tentar divulgar a música delas. A HipHopLadies nasceu assim. Depois falei com a Telma, que me foi dando contactos. Disse que havia esta rapariga no Porto a rimar, que era a Sky, e havia uma rapariga do Alentejo, que era a Blaya. E houve mais pessoas que entraram em contacto e eu fui pondo as músicas no site. Às tantas, também fui pondo informação sobre b-girls, sobre writers, ou seja, tentar divulgar também outras partes do hip hop e, depois disso, pensei que se calhar também conseguia organizar eventos. Isto já tinha passado algum tempo depois de eu ter a HipHopLadies. Na altura, o meu irmão também insistiu para eu ter conteúdo no site e queria que eu fizesse uma música. Então, fiz uma música para meter no site dele e ficou horrível! Na época nem Dama Bete era [risos]. Ainda bem que essa música já nem está na net, era mesmo muito má. Foi a minha primeira gravação e não tínhamos condições nenhumas.

Como se chamava?

Eu nem me lembro do nome que dei! Mas lembro-me que os comentários eram pessoas a perguntar quem era o rapaz a cantar com voz tão fininha [risos]. As pessoas nem pensavam que era uma rapariga. Mas não me lembro do nome, isto era na época em que as pessoas partilhavam músicas no mIRC! Para veres o nível. Depois disso, o meu irmão também começou a investir em material de música e nessa altura as pessoas também começaram a partilhar instrumentais na net e comecei a ter acesso a alguns deles. E na época eu idolatrava as TLC e pensei que seria cool ter um grupo meu – na altura não me via como artista a solo. Então, pensei em convencer a minha irmã, as minhas amigas, e na época, já conhecia a Blaya, a Karla, da HipHopLadies. Nós falávamos, ela já tinha algumas músicas, e disse-lhe que queria fazer um grupo. Seria eu, a minha irmã, a minha sobrinha – que é uns meses mais velha que eu, mas é minha sobrinha – a Marlene, a Denise e ela. E ela “tudo bem”. Então, a mãe dela trazia-a para minha casa, que ela na época vivia no Alentejo, para ir lá dormir nos fins de semana, e ficávamos a fazer a música. Fizemos as nossas primeiras músicas e tivemos a nossa primeira atuação que foi no IPDJ da Expo e correu muito bem porque éramos das poucas com acesso à Internet. Nós conseguíamos ter acesso a instrumentais muito melhores porque sacávamos cenas estrangeiras e o pessoal todo nesse concerto veio perguntar-nos como tínhamos arranjado esses instrumentais. E eu na época nem sabia essas coisas dos direitos [risos], era o instrumental e ponto. Ninguém pensava nisso. E depois começámos a investir ainda mais. Eu e o meu irmão investimos num gravador de CDs, que na época era uma coisa caríssima, e depois comprámos aqueles autocolantes, aqueles stickers para CD. Nos eventos HipHopLadies imprimia um sticker a dizer HipHopLadies e comecei também a vender CDs. E depois ainda fizemos t-shirts. Mas o grupo serviu basicamente para termos mais música, tanto na HipHopLadies como para termos mais pessoas a atuar nos eventos, e porque na altura eu nunca pensei em ser uma artista a solo. Então pensei se calhar que podia fazer isto, mas tinha que ser com outras pessoas.

Engraçado o que estás a dizer. Numa entrevista tua de 2008, o Davide Pinheiro descrevia-te como uma filha da geração da Internet, e por aquilo que contas, faz todo o sentido.

Sim. Acho que o que me ajudou muito na época foi isso. Tanto eu como a Blaya já tínhamos computador e Internet. Naquela época, poucas pessoas tinham acesso a isso. Para nós, acho que isso foi uma grande vantagem. Mas depois a HipHopLadies acabou. Para já, era uma despesa – eu tinha de pagar o servidor e as pessoas não percebiam isso. Depois, na época, saiu um artigo no site do Valete, que era o Horizontal, que falava que não devia existir uma distinção entre e hip hop feminino e hip hop masculino, que devia haver só um hip hop. Eles questionavam porque é que existia um site chamado HipHopLadies, porque é que estávamos a separar [risos], a criar um movimento feminista. E depois o que aconteceu foi que muitas raparigas que participavam no site já não quiseram fazer parte. Começaram a ter vergonha, como se estivessem associadas a um movimento feminista. Quando dizíamos que íamos fazer um evento, a resposta passou a ser não e eu senti que foi por causa desse artigo. Então, pronto, já não tinha conteúdo, também tinha essa despesa, e fiquei sem saber o que fazer. Então, criei o meu próprio site. Na época, já era conhecida como Dama Bete porque dentro das Blacksystem, na época usava-se muito o dama para isto, dama para aquilo, e as pessoas mais próximas sempre me trataram por Bete. Então, quando tive de registar um domain para o meu novo site meti Dama Bete. E comecei a meter lá músicas a solo.

Estamos a falar de 2005/2006 ou ainda antes?

Sim, deve ser 2005 ou 2006. Comecei a por essas músicas a solo e depois fui estudar – tirei turismo na faculdade – e no meu primeiro ano, como gostava de música e eventos, e tínhamos que escolher um sítio para estagiar, contactei o Santiago Alquimista e disse que tinha de fazer um estágio e gostava que fosse lá. E foi! Estavam a fazer um festival, que era o festival Musidanças, e tornei-me muito amiga das pessoas que lá trabalhavam e organizavam o evento. E uma dessas pessoas era o Firmino Pascoal, que é o pai do Tristany, que me perguntou se eu fazia música e eu respondi que sim, mas disse logo que era uma coisa amadora. Mostrei-lhe o meu site e ele ficou muito impressionado, mas eu acho que era porque na época quase ninguém tinha site. E aquilo era um site feito em Flash–

Heya, Flash! [Risos]

[Risos] E ele às tantas diz-me que vou atuar no festival. Isto em 2005. E eu fiquei, “ok, atuar no festival…”. Falei com um DJ, o X-acto, para vir tocar comigo, e ainda veio a minha irmã e a Grace, que é minha sobrinha. E o Firmino sabia que eu era muito fã da Sara Tavares e ele meteu-me no mesmo dia que ela. Ia ser eu, depois o Melo D, depois ia ser a Sara, mas o Melo D faltou [risos] e fiquei eu antes da Sara. Estava tão nervosa, era a primeira vez que ia atuar num palco mais a sério. No backstage, a Sara perguntou-nos o que cantávamos e nós dissemos que era hip hop. E pronto, lá tive a minha primeira atuação que, na época, a Blitz falou desse concerto sobre eu ser uma artista revelação, e foi por causa desse concerto que algumas pessoas me contactaram, incluindo a pessoa que veio a ser o meu manager.

E depois acabas a assinar pela Universal.

Sim, por causa do meu manager, o Filipe Larsen, que foi baixista da Ana Moura. Para já, eu não acreditava muito que pudesse, algum dia, lançar por uma major. Mas o que aconteceu foi que depois desse concerto, várias pessoas contactaram-me e o Filipe foi a pessoa mais persistente, veio ter comigo à Escola Superior de Hotelaria do Estoril, onde estudava, tudo. Ele foi lá, disse que gostava da minha música, e que achava que tinha hipótese de assinar com uma editora grande, mas que tinha de gravar uns temas, porque ele ouviu os meus e achava que tinham de ser regravados, e ele podia tratar disso. Pensei que era tudo mentira, ir para um estúdio, mas eu só dizia que sim a tudo! [Risos] Mas de facto aconteceu! E gravamos os temas. Na época escolhi: a “Cala-te”, a “Definição de Amor” e o “Dama no Rap”. Depois ele levou-os a várias editoras e a que fez a melhor oferta foi a Universal.

Essa história é incrível. Porque começa com uma ligação Dama Bete-Tristany, que não esperava, e também porque parece algo saído de uma série.

Ya! Mas pronto, o que senti na época… Para já, foi algo assim que aconteceu e eu nem sequer tinha a experiência de palcos grandes. Tinha esse concerto do Santiago Alquimista, depois tinha aqueles que aconteceram na minha escola em que o palco era uma mesa, emque atávamos os pés das mesas, e tínhamos um PA horrível. E de repente acontece isto. Tens os vídeos a passar na MTV, és convidada para concertos maiores… Lembro-me até da primeira vez que fui atuar ao Top+ –

Tu atuaste no Top+?

Sim, fui lá ao Top+, que nem era muito longe da minha casa! Era em Paço de Arcos e eu vivia na Parede. E a pessoa que me acompanhou da Universal perguntou-me se eu tinha trazido uma muda de roupa, e eu respondi que não. “Vais atuar assim?” [Risos] Opá, eram coisas que eu não sabia! Pode parecer mal ou estúpido, se fosse hoje em dia claro que saberia, mas naquela época não era como hoje, em que vemos tudo na Internet e há Instagrams… Eu não. Eu saí da faculdade e tinha que ir gravar o Top+. Às tantas estou em pânico e a sorte é que não vivia muito longe dali. O meu manager disse para irmos buscar roupa a casa e fomos num instante. Eram coisas que eu não tinha noção.

Por essa altura que vais ao Top+ já tinhas lançado o disco, certo?

Sim.

Como funcionou na altura a criação do disco? A maioria da produção do álbum foi feita pelo teu irmão…

Sim, foi. Acho que foi logo no disco que houve coisas que não correram tão bem. Eu estava habituada ao processo de ser eu e o meu irmão a gravarmos em casa. Depois, quando fomos para o estúdio do Paulo Abelho gravar, não estávamos habituados às pessoas dizerem-nos que algo estava fora do tom. Tivemos de trabalhar com pessoas que percebiam de música mas que não percebiam de hip hop, e tínhamos conflitos. Hoje em dia acho que já é mais fácil ir a um estúdio e as pessoas conseguirem perceber o que é o hip hop, mas na altura… Por exemplo, eles diziam-nos que o tipo de snare era muito forte, ou que um kick específico não funcionava. Tentavam tanto moldar a música que, às tantas, já não era bem hip hop. Houve ali muita discussão. Várias vezes o meu irmão esteve prestes a desistir de fazer o disco. Ele chegou mesmo a apagar os instrumentais todos porque não queria fazer parte e tive de o convencer a voltar a ajudar-nos. E era assim um conflito porque o meu manager, o Filipe, e o Paulo Abelho tinham uma visão diferente da música, de fazer música. Eles são músicos profissionais e eu e o meu irmão não éramos músicos profissionais. As coisas que fazíamos eram de ouvido. Depois, o que acontecia também era que às vezes não estávamos em estúdio quando modificavam coisas. Mas acho que a determinada altura, depois de muita discussão, conseguimos mais ou menos chegar a um meio termo, em que não ficámos todos chateados. Mas, por exemplo, a “Cala-te”: a versão original não é assim, nem sequer é aquele instrumental. O instrumental final foi uma remistura de um produtor, o Adam Pendse, que era um guitarrista da altura da Lady Sovereign e que o Filipe acabou por conhecer, e ele quis remisturar. No entanto, não era a versão que eu gostava mais. Preferia a versão que fiz mesmo com o meu irmão, mas ficou a do Adam porque fomos a votos e a editora preferiu a dele. Eu não digo que a versão [dele] era melhor, mas acho que a escolheram mais pelo nome dele, por ele ser um artista internacional, que trabalhava com gente conhecida. Então, logo aí já houve coisas que não ficaram 100% como queríamos.

Achas que essas situações ajudaram de alguma forma à distância que criaste ao disco?

Sim. Por exemplo, outra coisa que aconteceu com o vídeo da “Cala-te”: nós gravámos na altura na Restart com um aluno de lá, porque ele queria fazer o vídeo. E quem fez as ilustrações do vídeo foi um ilustrador de que eu gosto muito, o Paulo Arraiano. Ele deu-nos as ilustrações para o background do vídeo da “Cala-te”, mas a ideia era estar prateado como no disco. Mas como foi numa escola e foi uma pessoa que se voluntariou para fazer o vídeo, o vídeo não ficou bem feito. Quando mostrámos o vídeo ao Paulo Arraiano, ele disse que nem pensar, as ilustrações não são a preto. E há outras coisas que falharam nesse vídeo. O chroma não estava bem. Havia várias coisas que não estavam bem, e dissemos que tinha de ser corrigido. Na época, o Paulo Arraiano até se voluntariou para ser ele a montar o vídeo. Mas passado uns dias, estou em casa e alguém me diz que eu estava a passar na MTV. Eu vou ver e dizia – EXCLUSIVO: CALA-TE – e era esse videoclipe. Nem sequer ficou o vídeo que queríamos! Eu ainda hoje não consigo perceber como é que aquele vídeo foi parar à Universal. Um vídeo que eu, como artista, não aprovei, e que nem a pessoa que fez as ilustrações gostou, de uma música que era a versão que eu não queria. Então, logo aí, claro que havia uma data de coisas em relação a essa música que eu não gostava. Fiquei a detestar a “Cala-te” desde o dia um porque senti que perdi o controlo. Já não era a minha música. Nada era, nada daquela música, o vídeo, a música em si. Nem sequer seria uma opção para mim como single.

Mas depois não só o vídeo acabou por ter alta rotação na MTV, como a música apareceu na banda sonora da quinta série de verão dos Morangos com Açúcar, o que deu um push extra para ser o teu maior hit.

Sim. Mas pronto. Teve que ser assim. [Risos]

Agora quando olhas para o disco, existe alguma canção da qual sentes particular orgulho?

Sim. Por acaso, só agora é que consigo sentir isso, e mesmo em relação à “Cala-te”, que eu tanto detestava. Mas a que eu gosto mais, por exemplo, é a “Definição de Amor”. Gosto porque fiz com uma amiga, que é a Marlene, e com outras pessoas que gosto, como o meu irmão, e porque está cheia de pormenores que as pessoas se calhar nem notam. Depois, a “Selva”, gosto muito porque na época gostava muito dos Terrakota e queria muito fazer uma música com eles. Então, é dos temas que mais gosto do disco. A “Cala-te”, apesar de não ter ficado com o instrumental que queria, hoje em dia quando a ouço consigo perceber que é diferente e, para mim, ainda soa atual. Hoje, consigo ouvir o disco e perceber que, para a época, até fizemos algo atual. E há outras músicas de que gosto muito. A “Soldado”, a “Dama no Rap”. Hoje em dia acho que gosto mais do disco. Consigo ouvir já de outra forma.

Eu achava que o disco ia soar mais datado do que efetivamente soa. Já não ouvia o álbum há muitos anos.

É, mas há coisas que se notam. Mas acho que assim no geral, hoje consigo ouvir e gostar do disco.

Mas acho que a capa do disco é muito 2008!

[Risos] Ya.

“Hoje, consigo ouvir o disco e perceber que, para a época, até fizemos algo atual”
O De Igual Para Igual é um disco bastante pessoal. Como olhas para aquilo que escreveste na altura e de que forma ainda te identificas ou não?

Acho que ainda me identifico. Acho que continuo a ser a mesma pessoa, mas com mais anos em cima [risos]. Mas acho que sim, ainda me identifico com algumas das letras. Mas o processo de escrita variava conforme a canção. Por exemplo, a “Cala-te”: a ideia saiu-me quando vinha da escola. Para outras, tive de pensar mais. Por exemplo, com a “Dama no Rap” quis mostrar como era ser mulher no rap. E há letras que até hoje continuam a ser atuais, como por exemplo a “Soldado”, que fala sobre a guerra. Podia ser sobre as guerras que existem hoje. A “Selva” também acho atual. Mas acho que o processo de escrita foi sempre sobre aquilo que vivia e que vivíamos no momento. A “Selva” e a “Soldado” são sobre coisas que se vivia no mundo naquela época. Mas o mundo acabou por não mudar muito, então, quando ouço essas letras, continuo a ouvir falar do que é o mundo hoje. Depois, na “Dama no Rap”, há uma parte em que digo que ser dama no rap é sempre ser um novo talento. Acho que isso ainda acontece hoje com as mulheres na música. Parece que é mais fácil estarmos sempre catalogadas como novo talento. E há coisas que… Por exemplo, há partes da letra em que digo que alguém nos convida para fazer uma música, mas o estúdio é no quarto e pode haver outra intenção. Acho que ainda acontece muito isso no mundo da música, principalmente como se viu com alguns movimentos do #MeToo. Nós, como mulheres, passamos por muitas coisas na música. Acho que a “Dama no Rap” ainda retrata bem a realidade de hoje. Muitas das coisas que eu digo naquela letra continuam a ser uma realidade.

A “Dama no Rap” é de 2008. Em 2020, o Interruptor publicava um artigo onde colocava a questão de se o rap, em Portugal, era misógino, e no qual vários testemunhos falavam de situações semelhantes às que tu retratas na “Dama no Rap”. Achas que a figura da mulher no hip hop português já mudou, ou achas que ainda se mantém muito semelhante àquela que era em 2008?

Acho que evoluiu um pouco. Mesmo em Portugal, já consegues ver artistas como a Nenny a estarem em quase todos os festivais e serem quase, ou mesmo, cabeças de cartaz. A Blaya, apesar de já não ser 100% hip hop, continua muito ligada ao hip hop. Por acaso, durante este concerto das Guerrilla Girls, tive esta conversa com a Blaya. Ela tornou público que saiu da agência onde estava e eu perguntei-lhe o que ela ia fazer agora. E uma das pessoas que estavam sentadas connosco disse que agora é que ela devia fazer mesmo hip hop e voltar a ser a Blaya que era a Karla MC Rapper antes dos Buraka [Som Sistema]. E ela respondeu que, mesmo que ela quisesse, ninguém ia aceitar isso. Isto deu início a uma discussão e um dos rapazes à mesa disse que o hip hop já tinha mudado muito; ou seja, ele tinha a visão de homem: “Claro que te iam aceitar, porque é que não haveriam de te aceitar?” E a Blaya até deu o exemplo da Chong Kwong, a perguntar porque é que ela não tocava ou porque é que o trabalho dela não tinha tido muita projeção, porque se ela fizesse hip hop, ia ser algo próximo do que a Chong Kwong fez. A conversa foi um bocado assim e no final concordamos que sim, que realmente ainda não há espaço para todo o tipo de hip hop. Se fores uma rapper feminina, parece que tens de fazer um determinado tipo de rap. Ou seja, tem de ser um rap que se calhar não é bem rap, porque senão  assim não tens tanta projeção.

Mesmo a Carla Prata e a Cíntia são ecléticas.

Sim. Mas acho que hoje em dia há mais artistas que podemos considerar que são hip hop no panorama do hip hop português. Então, digo que sim, que evoluiu. Na época em que eu tocava, quantas mulheres havia num cartaz de hip hop? Com sorte, ocasionalmente havia eu, por vezes havia a Capicua, com um grupo ainda antes de ser só ela, que era as Syzygy, que era ela e a M7. E era isso. Hoje em dia já há muitas mais.

Mas mesmo assim, quando é aquele evento da História do Hip Hop Tuga… Raramente há mulheres…

É. Por acaso a Tvon falou com a organização sobre isso. Vamos ver se este ano… [Risos]

Estamos aqui a falar de 2008. A seguir ao De Igual Para Igual fazes pelo menos duas colaborações, uma com a Sky – “Mulher a Sério” –, e uma música com o Agir, a “Tanto por Dizer”. Essas faixas saíram a seguir ao disco, ou saíram na fase em que estavas a trabalhar no teu suposto segundo álbum?

Por acaso, a “Tanto por Dizer” era uma música que esteve para entrar no disco. Quando conheci o Agir estávamos os dois numa fase semelhante de vida, que era a fase do cyberbullying. Lembro-me que ele tinha ido a um programa de televisão e que as pessoas gozaram muito com ele e, portanto, ele estava muito deprimido. Acho que foi ele que me mandou mensagem, a dizer que gostava de fazer uma música comigo, e acho que foi esse o motivo. Eu acho que ele reparou que eu também era crucificada na net e teve a empatia de vir falar comigo e conhecer-me. Então falámos, conhecemo-nos, e eu disse “Olha, bora fazer uma música”. Fizemos a música, e o meu disco estava atrasado para sair. Tentei que a música ainda entrasse no disco, mas já estava fechado, não dava. E a música com a Sky acho que foi para o álbum da Sky. Já éramos amigas há muito tempo, ela fez parte da HipHopLadies e sempre apoiou o projeto. Quando ela lançou o álbum dela, convidou-me. Isso já foi algum tempo depois do meu álbum ter saído.

Eu vou ser sincero: eu não sabia quem era a Sky até há uns dias, e depois vi que além de ter uma música contigo, também tinha uma música com o Dino d’Santiago antes dele ser o Dino como o conhecemos hoje. 

Por acaso a Sky é daquelas pessoas que na época também tinham muitos concertos. Antes de saírem os nossos álbuns, geralmente no Porto ou era as Syzygy ou era a Sky, e aqui mais para baixo era a Blaya, ou era eu, ou eram as Lweji, que era um grupo com a Telma Tvon.

No último post do teu blog, publicado a 24 de fevereiro de 2010, contavas que estavas a trabalhar em músicas para aquilo que seria o teu suposto segundo disco, e que nunca viu a luz do dia. O que aconteceu na altura para que depois entrasses em semi-reforma como Dama Bete?

Acho que foi porque nunca encontrei um produtor que me conseguisse complementar ou que quisesse realmente perceber o que eu queria fazer. Na época, o meu irmão foi viver para Londres e, também por causa destas coisas todas que aconteceram no primeiro álbum, em que ele sentiu que não respeitaram o trabalho dele, não quis mais fazer parte. Então tive que encontrar outra pessoa para trabalhar. Na época falei com o SP, que acho que estava mais próximo daquilo que eu fazia com o meu irmão, e com o Agir, e ainda trabalhei com outro produtor, que era o Mr. Z. Mas o que aconteceu? Como já tinha tido uma experiência que não tinha sido tão positiva com o De Igual Para Igual, já estava com medo que quando saíssem aquelas músicas as pessoas fossem gozar-me. Então comecei a focar muito na perfeição. Tinha de estar tudo perfeito. Eu não queria mais ter um vídeo como o vídeo da “Cala-te”. O vídeo tinha que estar bem, a música tinha de estar bem, tinha de estar tudo perfeito. Mas nunca consegui encontrar essa perfeição. E regravei várias músicas várias vezes. Tive épocas em que, quando já tinha uma data de temas, sentia que era aquele o disco que queria fazer. Mas depois, passado algum tempo, achava que não, não podia ser aquilo. E isto repetia-se.

Passado algum tempo desse processo, voltei, convenci o meu irmão, mas o meu irmão já estava numa onda de drum & bass. Ele começou a enviar-me coisas e eu não sentia que era aquilo que queria, tinha de ser mais outro estilo. E eu e o meu irmão para trabalharmos juntos era muito complicado, ou era assim ou não era. Então não foi. Com o Agir, foi escolher instrumentais que ele tinha na altura e alguns funcionaram. Mas depois houve esse tal evento em que fui para o Brasil. Houve lá uma editora que ficou interessada, do Vinicius Terra, e eles estavam interessados em lançar o meu álbum. E na época tinha alguns temas, alguns até há excertos na Internet de atuações, como a “Pimponeta”, que por acaso cantei no Sumol Summer Fest, e que foi a única música que senti que era mesmo aquilo. E esse instrumental também mudou muitas vezes! Começou com um instrumental que era do Ricardo Quadros, que era um amigo do meu irmão que vivia em Londres, mas depois passado muito tempo senti que já não era aquilo e quis mudar. Tentei encontrar alguém que conseguisse concretizar aquilo que queria e essa pessoa foi esse rapaz, o Mr. Z, que fez a versão final da “Pimponeta”. Essa editora do Vinícius ficou à espera dos temas. Na época, eu já não estava na Universal porque passaram os cinco anos que tinha de contrato com eles e, como eu não tinha os temas, o contrato acabou. Mas depois foi isso. Nunca senti que tinha as músicas que iam fazer parte de um álbum do qual me fosse sentir orgulhosa. E com o tempo fui deixando passar, passar… Também trabalhei com a MEMA. [risos], que ela também tentou fazer algumas coisas, mas ela também não é hip hop, não é? Experimentei com algumas pessoas. Também fiz coisas com o Firmino. Lancei um álbum com ele [Imbondeiro], que pouca gente conhece. Depois outra coisa: aprendi a fazer música para mim. Aprendi a tocar guitarra, aprendi a produzir, só que… O meu perfeccionismo faz com que, quando ouço as coisas que fiz, sinta que falta alguma coisa. Sinto que as músicas que fiz onde fui eu a produzir tudo só servem de ideia. Por acaso, a “Pimponeta” foi assim. Foi uma ideia que fiz sozinha e depois várias pessoas ajudaram-me no processo.

Ainda tens as maquetes desses sons?

Tenho. Eu devo ter, não sei, cento e tal, duzentas. Tenho muitas ideias e músicas e às vezes até oiço, passado este tempo todo, e fico surpreendida porque até estava boa e fico frustrada por não a ter lançado.

No Sumol Summer Fest, tiveste o cheirinho de estar novamente em palco. Pensas voltar a fazer música de forma ativa como Dama Bete, ou achas que é algo que simplesmente não faz sentido?

Eu às vezes penso, mas há algo que me bloqueia, que faz com que eu não avance. Por exemplo, com a “Pimponeta”, eu mostrei aquilo a várias pessoas e todas me disseram que era mesmo aquilo, e incentivaram-me. Disseram que estava fixe, que estava bom. E eu estive para lançar a “Pimponeta” e outro tema – chamado “Matei o Amor” – mas houve sempre algo que me dizia que não era o melhor momento. No entanto, já passou agora tanto tempo que o que eu digo na letra já nem faz sentido. Por exemplo, na “Pimponeta” há uma parte da letra que diz “Dizem que a culpa é da Troika / Mas ninguém troca o passo”, e esse passo era sobre o Passos Coelho. Se fizesse de novo, se calhar tinha de trocar essa parte. Ou então até podia deixar, mas pronto. Depois também fico a pensar que se lançar… Para quê? Qual é o objetivo?

Acho que só tu consegues responder a essa pergunta.

Pois. Não sei, se não tenho esse sentimento de querer, é porque realmente não quero. Mas acho que se fosse um convite de um artista que eu goste, acho que aceitava. Já tive convites para algumas cenas que não aceitei, mas este do Sumol Summer Fest, por exemplo, fez sentido, e aceitei. Por isso, acho que com o convite certo, aceitaria. Agora, eu a solo, lançar um álbum enquanto Dama Bete? Não. Mas assim uma participação de um artista de que gosto… Quem me quiser convidar, agora já sabe! [Risos]

Perdoa-me a pergunta à la Daniel Oliveira [risos], mas com estes 15 anos em cima depois do De Igual Para Igual, com o legado que deixaste no hip hop tuga e com o tudo o que aconteceu, farias algo de diferente?

[Risos] Acho que sim. Se fosse hoje, acho que ia ser tudo muito semelhante ao que fiz no passado, não ia mudar muito, mas há coisas que ia conseguir decidir de outra forma. Por exemplo, o que vai ser o single, ou se vou mudar isto ou aquilo, saber dizer que sim ou saber dizer que não. Isso é a única coisa que mudaria. Ter mais controlo na minha carreira. E hoje há muitos artistas que eu vejo que têm isso e eu acho que isso é que é o segredo para a longevidade e para te sentires bem com aquilo que fizeste. Quando as coisas não ficam 100% como tu queres, depois é difícil de gostares do que estás a fazer. Então se mudasse alguma coisa, era só isso. Depois, outras coisas: a dada altura, eu tinha uma banda com a qual não me identificava, que eram pessoas muito mais velhas do que eu, e que foi o meu manager que arranjou. Lembro-me que até tive um concerto, acho que foi em Espinho, em que uma pessoa do público veio falar comigo no final e disse-me que tinha gostado mais de outro concerto que tinha visto em que era só eu e as raparigas. Ou seja, era o formato em que era eu, a minha irmã, a Grace… Com essa banda, havia qualquer coisa… Eles eram bons músicos e eu dava-me com eles e gostava deles, só que chocávamos. Eram muito mais velhos. Era uma coisa que qualquer pessoa de fora olhava para palco e percebia que não estávamos em sintonia. E só passado algum tempo, e acho que foi um concerto que tive na ilha da Graciosa, é que bati o pé e disse que a banda não estava a funcionar e queria ir com outro formato, em que é um DJ e backing vocals só. E esse concerto, para mim, foi o meu melhor concerto. A energia, a cena de viajares com pessoas que tu gostas, e estares em palco e sentires que só com o olhar consegues dar uma indicação. Então, é só isso que mudaria. Desde do dia um: saber dizer que não. Não, eu não quero esta banda. Não, eu não quero este vídeo. Mas em termos de música, acho que ia ser semelhante.

Agora parece que se fores um Slow J ou um Dino numa editora grande tens mais controlo sobre aquilo que é a tua arte.

Sim, e não sei se conheces o trabalho do Tristany, que é o filho do Firmino, o meu mentor. Para mim, o que o Tristany faz é aquilo que naquela época eu gostaria de ter feito. De ser eu própria, de transcender a música, de não ser só músico. Ele também é artista. Desenha, expõe, e as ideias que ele tem… Se ele quer fazer um filme ou um documentário, faz. Mas também, ao mesmo tempo, neste momento, sinto também felicidade ao ver algumas pessoas vingarem, e essas pessoas representam um caminho que, no passado, eu tentei abrir e não foi possível. Por exemplo, ver o Tristany no Festival da Canção, com a Pongo, e pensar que foi tão difícil percorrer este caminho em que antigamente, se eras mais associado ao hip hop, ou por teres uma música com alguém que era mais afro, isso era cotado negativamente e as pessoas iam gozar. Hoje, consegues ter essa mistura e fazeres o que quiseres e com quem quiseres sem te preocupares com isso. Fico feliz de poder assistir a isso.

Fotografia de destaque: Francisco Gomes

Cucujanense de gema, lisboeta por necessidade. Concluiu um curso de engenharia, mas lá se lembrou que era no jornalismo musical e na comunicação onde estava a sua vocação. Escreveu no Bandcamp Daily, Stereogum, The Guardian, Comunidade Cultura e Arte, Shifter, A Cabine e Público, foi outrora co-criador e autor da rubrica À Escuta, no Espalha-Factos, e atualmente assina textos no Rimas e Batidas e, claro está, na Playback, onde é um dos fundadores e editores.
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