Notas Sustentadas num Sistema Nervoso
Desde pequena, o mundo nunca foi um lugar silencioso para mim. Tudo chegava ao mesmo tempo: vozes, luzes, ideias, barulhos, preocupações, emoções. A cabeça a mil. Uma espécie de mar sem margens. Com o tempo, aprendi que esses nomes — défice de atenção e hiperatividade — era o que me tentava dar um mapa para algo que eu já conhecia desde sempre. O problema nunca foi a falta de atenção. O problema é ter atenção a tudo, ao mesmo tempo.
Nos dias de hoje, com a Internet no bolso e o mundo a gritar por todos os lados, essa tempestade dentro de mim ganhou ecos externos. É como se a cacofonia da minha mente tivesse agora colunas de som espalhadas por toda a parte. Notícias sem fim, catástrofes, guerras, crises humanitárias, mudanças climáticas, indignações diárias. A cada scroll, mais uma tragédia, mais uma opinião, mais uma exigência emocional. Como se fosse possível ter espaço para sentir tudo e continuar a funcionar.
Viver com ansiedade, nestes tempos, é como tentar dançar no meio de um sismo. Há uma urgência em parar, mas o chão não deixa. E, ainda assim, espera-se que sejamos produtivos, criativos, presentes, atentos, compassivos — mas também resilientes, rápidos e eficientes.
Trabalho com música. Um mundo de sons, mas também de emoções. A música, paradoxalmente, foi sempre o meu refúgio e a minha sobrecarga. Há dias em que um simples acorde me faz respirar fundo pela primeira vez em horas. Outros dias, não consigo ouvir nada sem me sentir inundada.
O excesso de estímulo não é apenas cansaço sensorial — é exaustão emocional. Somos seres feitos para sentir, mas não para digerir o sofrimento de um planeta inteiro antes do pequeno almoço. E, mesmo assim, a culpa de desligar é real. Porque desligar parece ignorar. Mas manter-se ligado é, muitas vezes, insustentável.
Enquanto artista — e enquanto ser humano — pergunto-me como é possível continuar a criar num mundo que parece em constante colapso. Mas talvez a resposta esteja aí: criar é uma forma de respirar. De filtrar o ruído.
Não escrevo isto à procura de soluções prontas. Escrevo porque há outras pessoas a sentir o mesmo e a pensar que estão sozinhas. Porque às vezes, o simples acto de dizer “isto é demais” já é um acto de resistência.
E talvez — só talvez — a arte que fazemos não precisa de salvar o mundo. Talvez baste que salve um momento. Um espaço de silêncio. Um lugar seguro dentro do ruído.
Surma toca este domingo no Festival Aqui ao Lado em Sintra pelas 18h. A entrada é livre.