Editorial #49

Quando vi Brian Wilson em 2016, a minha crítica do concerto para o saudoso The 405 começava com uma referência a um outro peso-pesado seu contemporâneo cujo espectáculo tinha tido a felicidade de assistir seis meses antes: a dado momento do set de Donovan no Olympia para celebrar os 50 anos do seu álbum Sunshine Superman, ocorreu a epifania—um tanto quanto óbvia—que estas pessoas não iriam estar aqui para sempre. Claro que ninguém está livre de ver a sua carreira cortada cedo demais por outros motivos, mas mesmo para quem tenta a poética proeza de morrer em palco (Ney Matogrosso estou a olhar para ti) existe sempre um ponto final. Que nunca é tão distante como desejaríamos.

Num espaço de três dias, perdemos Brian Wilson e Sly Stone, indiscutivelmente dois dos músicos mais inventivos e geniais (coisas diferentes) com quem tivemos o privilégio de partilhar a nossa existência neste planeta. Alguns de nós até conseguiram respirar o mesmo ar que eles num raio de meras centenas de metros, que por uma macumba qualquer pareceram simultaneamente escassos milímetros e uma distância infinita. 

Não sou de todo apologista de rapar o fundo do tacho para obter todo o lucro (financeiro ou outro) que advém duma aparição de cariz quase mariano duma destas figuras—o que, de certa maneira, acabou por acontecer nos últimos concertos de Brian Wilson e no comeback semi-desastroso de Sly Stone nos anos 2000 (tanto Coachella como Montreux deixaram muito a desejar). Mas se pudesse dar um conselho seria: vão ver os vossos ídolos. Apesar de ser possível (e até bastante provável) trazerem como única merch uma grande dose de desilusão, irão arrepender-se se tiverem essa oportunidade e não a aproveitarem. Concordo que “há sempre os discos”, mas numa era com tanta falta de conexão humana, são essas experiências que ficarão convosco anos a fio, muito depois de nos termos tornado andróides alimentados a extracto de cripto. 

Lá chegará o dia em que, se se portarem bem, os reencontrarão numa outra galáxia. E se pedirem com jeitinho, talvez (talvez!) até consigam que eles toquem uma musiquinha para vocês.

tripeira de nascimento, parisiense por adopção. já escarafunchou muita arte, pisou muito palco, escreveu para muito sítio, e deitou muita carta. doutora em quebrar corações (e não só) e eterna electroclasher.
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