O poder das plataformas musicais digitais: Tiny Desk Concerts e A COLORS SHOW

“Nesta era tão atribulada, vivemos em plena Revolução Digital”, já dizia o playbackiano José Duarte num dos seus textos abesbílicos. No atual panorama musical, onde a tecnologia e a conectividade andam de mãos dadas, emergem cada vez mais plataformas digitais que transcendem barreiras geográficas e temporais, redefinindo a relação entre artistas e públicos. Em abril, através de um post de Instagram, chegou-nos a novidade que MARO, uma das artistas mais acarinhadas pelo público português, marcou presença numa das montras mais conhecidas e conceituadas de música ao vivo do mundo, as Tiny Desk Concerts. No passado mês de julho, chegou-nos a tão aguardada performance. Devo frisar que a MARO foi a segunda artista portuguesa, até hoje, a passar pelas Tiny Desk, depois de Camané em 2015? Daí tanto hype levantado em seu redor, o que me fez refletir sobre o peso que estas experiências têm na carreira dos artistas que por lá passam. Fale-se também d’A COLORS SHOW, por onde também já passaram os portugueses Dino D’Santiago, NENNY (que também marcou presença num evento especial das Tiny Desk Concerts), Carla Prata, Pongo, Carolina Deslandes, Gisela João e Slow J. Qualquer coração português enche-se de orgulho e felicidade por isto.

Desde já, permitam-me partilhar com vocês a minha relação com estas duas plataformas em específico. Não é a primeira vez que penso em como as Tiny Desk e o COLORS me fizeram explorar discografias, de fio a pavio, de artistas que ora nunca tinha ouvido falar, ora nunca tinha prestado a devida atenção. Dou-vos já três exemplos. Ouvi YEИDRY pela primeira vez quando levou “Nena” ao COLORS. Lembro-me de ter ficado fascinada com aquele flow formidavelmente suave e, desde então, nunca mais a perdi de vista. Fred again.. não me dizia rigorosamente nada até a sua Tiny Desk conquistar o meu coração. Ouvir Fred again.. é uma autêntica injeção de hormonas de felicidade e prazer, muita oxitocina e dopamina, que faz qualquer um vibrar imensamente (que génio musical, porra). No entanto, deixo a minha melhor descoberta para o fim: Lizzy McAlpine. Recordo-me de estar a fazer scroll no Instagram, ouvir repentinamente um trecho da “all my ghosts” na sua Tiny Desk, sentir a minha espinha a arrepiar-se e os meus olhos a ficarem húmidos. Segundos depois, estou a abrir o Spotify, pronta para ouvir todos os seus lançamentos, para acabar a pensar: “como é que só estou a descobrir isto agora?”. A música da Lizzy equivale a um abraço sonoro do qual não quero largar, nunca. Já imaginaram os “nossos” artistas a terem este impacto lá fora?

Já dizia Gonçalo Oliveira no Rimas e Batidas que é preciso “ajudar a empurrar a música portuguesa para cima, rumo a um lugar de ainda maior destaque, onde tem feito por merecer estar, dada a qualidade dos trabalhos com que nos tem presenteado” e eu não podia concordar mais. Não restam dúvidas de que para artistas portugueses (é a pensar essencialmente neles que escrevo este texto), a oportunidade de se apresentarem nestas plataformas pode ser totalmente transformadora. Isto porque as Tiny Desk e o COLORS oferecem acesso a um público global, composto por milhões de espectadores e ouvintes que procuram novas experiências musicais. Uma performance bem-sucedida é o suficiente para levar a um aumento significativo de seguidores nas redes sociais, ouvintes nas plataformas de streaming e, por sua vez, expandir a base de fãs do artista. Carolina Deslandes recorda ter recebido “muitas mensagens de muitos países do mundo” e de “ter crescido alguns seguidores”. De coração aberto, a artista partilha ainda connosco que não sentiu o mesmo apoio por parte do público português. “Muitos portugueses foram destilar ódio para o vídeo e para o canal do COLORS e isso deixou-me triste num primeiro momento. É impressionante como o português é preconceituoso consigo mesmo”, conta. Ainda assim, não permitiu que a deitassem abaixo, focando-se no amor e carinho recebido pelo mundo inteiro. Da mesma forma que Carolina Deslandes sentiu que a sua música chegou a ouvidos mais distantes, Nenny e MARO também sentiram o mesmo. Nenny diz-nos que conseguiu “meter pessoas lá de fora com interesse e curiosidade na música portuguesa e africana” e MARO afirma que sentiu que o seu trabalho “chegou a mais gente”, não escondendo a sua “gratidão” por um segundo. “E mais que tudo, voltaria uma terceira e quarta vez (risos), acrescenta.

Fale-se também do facto de que estas experiências podem chamar a atenção de gravadoras, agentes e promotores de concertos e, até mesmo, abrir portas para colaborações, digressões nacionais e/ou internacionais, etc. Isto lembra-me imediatamente do comentário“essa voz” – que Billie Eilish deixou no excerto da performance que MARO partilhou no Instagram. Quem nos garante que não teremos, futuramente, uma colaboração entre estas duas mui-talentosas artistas graças a esta interação? Esperemos para ver. Se há algo que me atrai imensamente nestas plataformas é a promoção da diversidade cultural que lhes está associada. Ao permitir que artistas portugueses (e não só, claro) apresentem a sua música a um público global, as Tiny Desk e o COLORS desafiam estereótipos culturais e a enriquecem a cena musical com novas perspectivas e estilos – não é isso que todos queremos? Diga-se que estas performances podem servir como uma oportunidade para que o público do lado de lá se familiarize, neste caso, com a rica tradição musical de Portugal, aumentando o interesse por artistas portugueses e o seu trabalho. Sejamos lá sinceros, há cada vez mais boa música a ser feita em Portugal, de todos os géneros e feitios, que merece ser espalhada por todos os cantos do mundo. Tal como disse Diogo Santos quando conversei com os equinōcio: “estamos a viver uma época mesmo fascinante”.

Também não se fala o suficiente sobre a maneira como estas plataformas moldam as tendências musicais. Enquanto a indústria musical destaca, muitas vezes, a comercialização e a produção polida, estas plataformas dão palco à arte bruta e à expressão individual. Os arranjos reimaginados e as interpretações pessoais das canções abrem frequentemente portas para novas direções e experimentações musicais.

Tiny Desk Concerts, uma janela aberta para a intimidade musical

Promovidas pela NPR Music, as Tiny Desk Concerts oferecem um vislumbre íntimo de performances musicais. O formato acústico e despojado, semelhante a um concerto caseiro, desafia as produções extravagantes e a atmosfera desconexa de grandes palcos. O cenário – a secretária de trabalho de Bob Boilen – transforma o ambiente num espaço onde a autenticidade reina. O artista está ao alcance do público, estabelecendo uma proximidade rara num mundo digitalmente saturado. Soma-se a isto as conexões emocionais entre o artista e o público criadas através do som. Estamos a falar de performances cruas que revelam camadas ocultas das músicas, promovendo uma apreciação mais profunda e um entendimento mais pleno do processo criativo (por exemplo, senti isto com a emocionante Tiny Desk de dodie).

Mas vamos regressar à Tiny Desk de MARO, que se apresentou a solo, ao lado dos seus compinchas Darío Barroso e Pau Figueres (relembrar que já tinha passado por estes estúdios em 2019, a acompanhar Jacob Collier à guitarra). “Este ano [2023] pude voltar em nome próprio. Foi uma experiência completamente diferente: pós-covid – testes à entrada, a maioria das pessoas ainda a trabalhar em casa e os poucos que estavam no escritório usavam máscara. Foi um ajuste ao que tinha na memória mas, ainda assim, maravilhoso. Fomos muito felizes”, conta-nos MARO. Introduzindo com as canções “há-de sarar” e “just wanna forget you”, do seu mais recente álbum hortelã, MARO convida-nos a acompanhá-la na sua caminhada de coração partido com arrebatadoras harmonias de guitarra e doces vocais. Faz-nos ainda regressar ao seu álbum anterior com a faixa homónina “can you see me?”, terminando com uma das suas canções mais cantáveis, “I SEE IT COMING”, lançada originalmente em colaboração com o produtor NASAYA. MARO, que acompanha as Tiny Desk “há anos”, sente a plataforma a crescer cada vez mais e a tornar-se uma “referência” para outras tantas [plataformas] “que assumiram também um trabalho com performances acústicas”. Descreve as Tiny Desk como “um showcase do talento musical que anda pelo mundo”, através do qual “muitos artistas mais desconhecidos acabam por chegar a outros públicos e conseguir outras oportunidades”.

A COLORS SHOW, a harmonia entre o som e o visual

Por outro lado, A COLORS SHOW mergulha nas dimensões visual e auditiva, criando uma experiência multissensorial e, consequentemente, imersiva. Cada performance é cuidadosamente preparada para representar não apenas o som, mas também a sua essência e atmosfera. A paleta de cores única e a estética visual excepcionalmente envolvente transformam cada performance numa autêntica obra de arte.

“Fixe” e “inovadora” foram os adjetivos utilizados por Nenny para descrever a sua experiência no COLORS que teve um impacto gigante na sua vida, tanto pessoal como profissionalmente. “Ajudou-me a crescer”, menciona à Playback. “Senti que o público acreditava em mim e mais do que isso senti que a minha comunidade estava comigo”. Carolina Deslandes, que diz acompanhar o COLORS “há anos” e ter conhecido “muitos artistas” através da plataforma, relembra a sua passagem pelo COLORS como algo “incrível”. “Quando soube que tinha sido convidada senti-me muito realizada e feliz, até porque fiz muito pouca coisa fora de Portugal”, confessa. Não sabe ao certo se teve um impacto direto na sua carreira, mas sabe com todas as certezas que teve na sua “confiança” e no “entusiasmo” da sua equipa. “Isso vale muito”, como a própria nos conta. “Sentires que lá fora também há olhos postos em ti e que podes fazer caminho”, acrescenta.

Sintonizando a nova era musical

As Tiny Desk Concerts e A COLORS SHOW não são apenas uma reflexão da indústria musical atual, mas também um vislumbre promissor do que está por vir – um caminho mais inclusivo e criativo (pelo menos, é o que esperamos). MARO diz ser uma “apoiante ávida destes projetos que apoiam a cultura e trazem novas maneiras de viver e conhecer (neste caso) música”. Num tom mais direcionado para a sua experiência, Nenny partilha: “Acho que são plataformas que têm um ambiente que nos incentiva a expressar a nossa arte e que nos ajudam imenso na exposição de nós, artistas”. Carolina Deslandes menciona as Tiny Desk de C. Tangana e de Mac Miller, e o COLORS de Masego, para mostrar o seu apreço por estas plataformas. “Não há como não amar”, diz. “Assisto a vídeos dos dois canais quase todos os dias”.

Com o cenário musical a evoluir, é provável que plataformas como as Tiny Desk e o COLORS continuem a desempenhar um papel significativo na promoção e apoio de talentos. Em Portugal, o mais semelhante que temos são as Confessions da Mega Hits e as atuações ao vivo na Antena 3. Se a ideia e a intenção estão lá? Estão. Se é preciso dar-lhes mais gás? É preciso, sim. 

Nascida e criada em Aveiro, mas com a Covilhã sempre no coração, cidade que a acolheu durante os seus estudos superiores. Já passou pelo Gerador, e pelo Espalha-Factos, onde se tornou coautora da rubrica À Escuta. Uma melómana sem conserto, sempre com auscultadores nos ouvidos e a tentar ser jornalista.
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Com testemunhos de MARO, Nenny e Carolina Deslandes.

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