Na civilização, em prol da sua evolução, deram-se inúmeras revoluções, que ora surgiram em momentos trágicos, ora em momentos que acabariam por sê-lo; mas de lá também brotaram invenções que, hoje em dia, são nada mais nada menos que mundanas à existência do ser humano.

Coisas como o telégrafo ou o avião surgiram de duas revoluções industriais. O primeiro, apesar de já (praticamente) obsoleto, permitiu uma viabilidade de comunicação para que outras coisas daí surgissem. O segundo – bem, basta parafrasear o Sr. Primeiro Ministro: “Olhem para o céu”.

Nesta era tão atribulada, vivemos em plena Revolução Digital. Se o que daqui advém é benéfico para a nossa existência? Não se sabe ao certo. Se se pode augurar um bom futuro? Dificilmente, mas podemos ser positivos e ver o que já nos trouxe de bom.

Para a música, o universo da Internet e arredores deu asas a que a acessibilidade da sua produção e consequente disseminação fossem mais prolíficas, fazendo com que à distância de um computador, faixas e carreiras pudessem ser ouvidas por pessoas em todo o globo (ignore-se outros problemas que causou – olá streaming). É desta Internet, do melting pot de memes, DAWs, séries juvenis, voice acting de videojogos e muita diversão que esta proporciona, que surgem os artistas conimbricenses Adler Jack e Vert Gum.

Fazendo música juntos há já quase meia década, as suas produções caracterizam-se pela descabida irreverência, tanto temática como estilística, albergando as boas facetas da cultura cringe portuguesa e internacional em instrumentais que percorrem todo o espectro musical, especialmente aqueles celebrados por comunidades de hyperpop. Com uma versatilidade invejável, a dupla incorpora sempre muita diversão nas suas canções – exemplo disso é a canção “100 Montaditos”, que trouxe muitos ouvidos à música destes jovens. Além dessa boa disposição e sentido de humor, os artistas conseguem sempre espelhar momentos emotivos, como “Contra a Lua” ou a simbiose destes na canção de help!, “Mais Perto”. A parceria entre Adler Jack e Vert Gum, porém, atingiu um (primeiro) pináculo no verão de 2022, quando lançaram o álbum colaborativo Ka-Chow!, considerado como um dos 30 discos nacionais que marcaram o ano passado pelo (saudoso) Espalha-Factos.

Adler Jack & Vert Gum - Ka-Chow!
Capa Ka-Chow!

Com o intuito de conhecer um pouco mais estes artistas emergentes, a sua história, e o disco, bem como a sua nova label e o que nos reservam para o futuro, a Playback esteve à conversa com Adler Jack (aka Tucano) e Vert Gum (aka Nina) através, lá está, do poder da Internet.

Comecemos com a pergunta mais importante que se pode fazer a um músico: O que é que, de momento, se encontra no vosso tupperware?

[Adler Jack] [Risos] Epá, massa com atum e pimenta.

[Vert Gum] [Risos] Bolor… Eu nunca me vou esquecer deste início de entrevista, vai ficar mesmo no coração.

Pelos vistos, esta é vossa primeira entrevista. Portanto, penso que seja oportuno perguntar: qual a vossa história até aqui?

[Vert Gum] Eu comecei a fazer música de uma forma muito engraçada. Estava a chover e andava na turma do Tucano [Adler Jack], e na altura os meus pais ainda demoravam algum tempo a chegar [a casa], e ele convidou-me para ir à casa dele e fizemos um grande som que já não está online! E ya, assim começou a era Vert Gum, numa altura em que eu achava que só ia fazer trap e que tinha Vert no nome por causa do Lil Uzi Vert.

[Adler Jack] Eu comecei provavelmente com 11 ou 12 anos. Lembro-me que o meu pai tinha um iPad e eu ia visitá-lo todos os fins-de-semana, porque os meus pais estavam separados nessa altura, e comecei a explorar o GarageBand e outra aplicação para fazer música que estava no iPad. Comecei a compor todos os fins-de-semana que ia lá, até que eventualmente o meu pai me acabou por ceder o iPad por completo e comecei a interessar-me mais por produção musical. Saquei o FL Studio com 14 anos, e todos os outros programas, e foi assim que começou. Depois, lá está, comecei a fazer música com a Nina [Vert Gum] naquela noite chuvosa. Mas sim, é isso. Fui muito influenciado pelo meu pai porque ele também é pintor e também ouve muita música e ele de certa forma incentivou-me muito a seguir a cena musical.

[Vert Gum] Pois, eu fui mesmo pelo Lil Uzi Vert. We’re not the same!

Vocês conhecem-se desde a infância?

[Vert Gum] Imagina, eu estava na sala ao lado, e penso que tenhamos tido o mesmo obstetra, por isso, o primeiro high five foi mesmo ali no primeiro dia. [Risos] Mas não. Foi mesmo no secundário quando entrei para a turma do Tucano.

No verão passado lançaram o vosso disco de estreia, o Ka-Chow!. O que têm achado da receção?

[Vert Gum] Fazer um álbum é muito difícil. Dá bué trabalho, não fiz singles [a solo] durante aquele tempo todo. Mas fiquei mesmo super feliz, honestamente, o pessoal amou. O álbum afeta um nicho de pessoas, não é assim tão geral, nem tão comercial quanto isso, e mesmo assim, temos cerca de 22 mil [streams] no álbum. São números bué fixes para primeiro álbum colaborativo, porque epá, na altura até fizemos um lema para o álbum, e eu até o fui buscar e vou lê-lo agora:

Ka-Chow!
A atitude Faísca McQueen
O Paulo Futre lifestyle
A dublagem PT-PT do Uncharted
A música feita para acabar com a crise, para descer o preço do gasóleo e para meter a cerveja a 20 cêntimos
O Vilamoura lifestyle, somos o Cesário Verde de Vilamoura
Somos os 4Taste e os D’Zrt da Tuga”

Lá está, é isto! Este álbum é bué importante na minha vida, porque, por mais goofy que seja, vai buscar uma parte muito importante da nossa infância, de querer ser o puto fixe, de querer piscar o olho, ir a Vilamoura, e acho que o Faísca McQueen representa tudo isso. Por isso, sim, estou muito feliz por um álbum assim, bué pessoal, ter-se tornado em algo geral.

[Adler Jack] Uma das cenas mais fixes que lembro-me de ter acontecido quando o lançámos, é que quando metemos stories a perguntar qual era a música favorita, o pessoal respondia todas as músicas de igual modo. Não havia uma específica. Mas sim, a Nina disse tudo!

Apesar de Ka-Chow! ser o vosso primeiro álbum colaborativo, já tinham várias músicas juntos. Houve alguma diferença na vossa simbiose antes do álbum e aquela que ocorreu enquanto o fizeram?

[Adler Jack] É capaz de ter mudado, ya! Nós tivemos de nos organizar muito bem para isto avançar. Aliás, nós sempre nos tentámos organizar bem, com pastas de Google Drive e assim, mas isto exigiu ainda mais preocupação nesse aspeto. Depois, se calhar a cena de seguir uma temática, porque antes fazíamos singles soltos, e no Ka-Chow! seguimos uma coisa concreta, apesar de não ser tão rígido quanto isso.

[Vert Gum] Quando fazíamos singles, idealizávamos tudo juntos [presencialmente], e o Ka-Chow! foi quase todo feito à distância. Cada um gravava em casa e mandava open verses ao outro e terminava. A única coisa que gravámos juntos foi os interlúdios, aquelas conversas bué Morangos com Açúcar.

[Adler Jack] Exato, e outra cena é que antes as músicas eram mais “Adler Jack feat. Vert Gumou vice-versa, e estes são mesmo “Adler Jack & Vert Gum”. Então acaba por haver mais conflitos criativos, só que como o som não é de um de nós, pois pertence aos dois, temos sempre de chegar a um compromisso, a um consenso.

[Vert Gum] Ya, nós andámos bué à porrada!

Adler Jack & Vert Gum
Fotografia: Simão Craveiro
O projeto surgiu espontaneamente ou foi algo que sempre quiseram fazer?

[Vert Gum] Foi porque nós tínhamos uma música que era a “Amor Apimentado”, que fizemos durante o verão de 2021, e, por acaso até acho que foi culpa minha, demorámos bué tempo até acabá-la. A certa altura, já era outubro, a música é obviamente uma música de verão, e decidimos esperar até lá para a lançar, em vez de estar a lançar a canção no outono. Daí, achámos que era bué engraçado fazer um álbum com uma energia veranil, por mais frio que estivesse. Então, concentramo-nos durante 10 meses a tentar transpor a nossa realidade para o verão.

[Adler Jack] Tipo, em vez de estares a passar tempo com a tua família a beber chocolate quente à fogueira, estás a gravar músicas sobre ir apanhar escaldões, o que achamos bué piada.

Já percorreram vários géneros musicais, da electrónica mais hercúlea, ao bubblegum bass, passando ainda por hypnagogic pop e muito mais. O próprio Ka-Chow! emana muita da vossa versatilidade, ao ponto de isto ser um cozido tão grande que catalogá-lo é difícil. Até, diga-se de passagem, acho que deram à luz vários novos sub-géneros. Como classificariam o que fizeram?

[Vert Gum] Antes de mais, esse cozido é com ou sem picante?

[Adler Jack] É apimentado!

Acho que vocês são os mais indicados para responder a isso.

[Vert Gum] Tens razão! Mas o Tucano respondeu bem, é apimentado!

[Adler Jack] Bem, como é que nós classificamos isto? É complicado! Eu diria que no geral é sempre música alegre, música para dançar. Agora, qual é o género que usamos para fazer isso, é que vai variar. Mas tem definitivamente influências de hip-hop culture, cenas funky tipo Michael Jackson, até mesmo cenas Y2K como o Justin Timberlake e o Pharrell Williams e… sei lá, Nina, adiciona aí!

[Vert Gum] Pois, classificar o projeto é difícil, pois quando o fizemos era apenas “Olha, bora meter esta canção goofy neste beat goofy”. Lembro-me que na altura o Tucano estava a ouvir muito Michael Jackson quando fez a “Sou do Pior” e, por exemplo, na “Não Pago IMI”, a cena de cantar em uníssono, vem da “Señorita” do Justin Timberlake. Mas uma coisa importante, que acho que difere isto de outros projetos, é a cena teatral que criámos, que é uma coisa que me é intrínseca, pois eu amo teatro.

Antes da minha próxima pergunta, eu diria que o que vocês fazem é uma mistura entre hip-hop forexiano, pop funky nostálgica e ainda pastilha à la LMFAO, isto tudo com uma energia de recreio dos Morangos com Açúcar, numa era em que o Twitter já é uma cena…

[Adler Jack] [Risos] Mano… isso é o meu género favorito!

Isto culmina em algo tipo: neo-funk hyperpop da era digital. Assim sendo, e pegando naquilo que falaste, como é que a estética Y2K, tão presente na vossa música e nesta era digital, vos influencia?

[Adler Jack] Há muitas cenas de Y2K, e no meu caso, nomeadamente, foi mesmo o Justin Timberlake. Gosto muito daquele álbum dele que é produzido pelo Pharrell Williams, o Justified, e isso influenciou certos momentos da “Não Pago IMI”, como também em faixas como a “+1”. Mas quando falamos da cultura Y2K que está presente no Ka-Chow!, temos de especificar que é a cultura Y2K tuga, porque na verdade é maioritariamente isso. Morangos com Açúcar, a pausa do Quaresma na altura, a pausa do Nani, do Liedson, aqueles brincos, aqueles óculos à Kanye West… por aí.

[Vert Gum] É basicamente isso. É Morangos com Açúcar e a famosa dublagem PT-PT do Uncharted…

“Merda, Nathan!” 

[Vert Gum] Exato! É bué isso. Aquele acting tão puro, tão cru, tão… despido. “Porra!”.

Já explicaram um pouco que tudo isto surge quase como uma extensão vossa e daquilo que vos diverte e entusiasma. Mas como é que chegaram até aí?

[Vert Gum] Na altura em que começou o processo do Ka-Chow! estava a preparar o meu álbum a solo, um projeto super íntimo que deixei em pausa e que ainda nem sei quando vou voltar a ele. Já está in the making há dois anos e ainda vai estar durante mais algum tempo. Depois surgiu a tal ideia do álbum veranil e achei super interessante que o meu álbum de estreia [Ka-chow!] – pois o Tucano já tem outros álbuns dele -, fosse uma certa ode a uma altura nostálgica. Aliás, até na altura fiz uma tatuagem [do Faísca McQueen rasurado] que vem mesmo para demonstrar que foi uma altura importante e que é fixe de relembrar. Portanto, acho que o álbum tem esse interesse e sinto-me bem por tê-lo cá fora, por ter falado destas coisas nostálgicas.

[Adler Jack] Nós temos um processo que é “Imagina fazer um som que” e depois é uma ideia completamente descabida. A maioria do pessoal tem essas ideias e não as executa, e nós temos a cena de executar uma ideia que é estúpida e levá-la até ao fim. Eu sinto que é isso que nos motiva!

Não se limitam. Uma ideia que surja, é uma ideia legítima!

[Adler Jack] É isso! Exatamente!

[Vert Gum] Por exemplo, a “Sou um Belho (‘Tou no Bar)” surge porque o Tucano estava constantemente a imitar o som de velhos, mas de uma forma que nem era fixe, era super irritante. Acho que isto também deve ter surgido porque o Adler estava a ler um livro, o…

[Adler Jack] Era O Velho e o Mar do Ernest Hemingway, que é sobre um velho pescador, e basicamente fizemos uma música sobre isso.

[Vert Gum] Mas sim, basicamente todas as ideias dadas num brainstorm vão ser uma música. Acho que é muito raro um de nós mandar uma ideia e esta não ser executada.

Como já se referiu, catalogar a vossa música não é uma tarefa simples, mas há uma verdade absoluta e transversal, que é o facto de ser super divertido ouvir-vos. Também parece que vocês se divertem muito a fazer música. Lembram-me um pouco os 100 gecs nesse sentido. Já se percebeu como é que ele começa, mas como é que é o vosso processo criativo, desde essa tal ideia descabida, à execução, até ao resultado final?  

[Vert Gum] Obviamente difere muito de música para música. Temos o caso da “Sou um Belho” e da “100 Montaditos” que foram feitas num estilo freestyle. Na “Sou um Belho” íamos escrevendo back-to-back, enviando por mensagens as nossas partes e o outro respondia. Na “100 Montaditos”, colocamos o instrumental a dar e começámos só a dizer coisas e depois o Tucano teve a trabalheira de escolher as melhores. Depois temos o caso de músicas como a “+1” e a “Sou do Pior”, que um idealiza, escreve a sua parte, e o outro completa. Mas é isso, difere mesmo muito. O que está inerente é esta cena de dar a ideia e depois começar a escrever sobre ela. Sobretudo, é bem divertido. Não encaramos nada disto como um trabalho que tem de ser feito num dado prazo…

[Adler Jack] E não é nada uma cena metódica. É sempre uma forma diferente, também porque tanto trabalhamos online como presencialmente e isso lá está, exige de nós processos diferentes, e também o facto de trabalharmos simultaneamente em vários projetos que acabam por necessitar de diferentes formas de os realizar.

[Vert Gum] Eu penso que a única estrutura nisto tudo acaba por ser a organização do nosso Google Drive. Temos uma pasta para tudo, instrumentais, press, concertos. Cada um vai colocando lá o que faz. É muito fácil a partir desta pequena organização fazer tudo de forma tão fluida e com gosto. Sei que vou entrar ali, está lá uma pasta chamada “Instrumentais soltos” e vão lá estar 20 ou 30 instrumentais que foram feitos nos últimos dois anos e posso ver se assentam bem na letra que acabei de escrever. É mesmo super fluido o processo criativo, pois a organização base está mesmo estruturada. Acontece sempre que trabalhamos juntos.

[Adler Jack] É o Google Drive que nos permite ser livres nesse aspeto. Shout-out Google Drive!

Não é nada brincadeira essa vossa flexibilidade. Sentem que ainda estão a descobrir o vosso campo, ou a vossa área é mesmo jogar em todas as frentes?

[Adler Jack] Sinto que devido a ouvir bué música e de estar sempre a explorar géneros diferentes, essas coisas acabam por se manifestar na minha música. Aquilo que para algumas pessoas pode parecer descabido, por estar sempre a mudar de géneros, para mim acaba por fazer sentido por estar sempre a consumir música diferente.

[Vert Gum] Pessoalmente, para mim é o contrário. Eu não ouço música nenhuma. Não gosto propriamente [risos]. Tudo isto vem de mim. Eu não vou, nem quero, definir o meu futuro, mas eu sinto que nunca me vou situar num único género e o pessoal dizer “Ok, isto é um Vert Gum type beat”. É só olhar para o meu passado. Mesmo noutras coisas fora da música, nunca estive só numa cena, nunca estive apenas num desporto, nunca ouvi só um tipo de música, num tipo de escrita. Mesmo na universidade, para me manter num curso, ou numa cadeira, é difícil, honestamente. Porque lá está, eu gosto mesmo de variedade, gosto de explorar como é que funciono em todo o tipo de cenas. Por isso é que a maioria do meu reportório está em colaborações, porque acho que nunca recusei uma feat, porque para mim é perfeito ser convidado para algo feito completamente por outra pessoa. Eu adoro isso…

[Adler Jack] Também porque o nosso caminho artístico vai mais na cena da exploração do que propriamente fazer, ou criar, um género. Se o fizermos, não é premeditado.

O que é que de momento vos anda a inspirar?

[Adler Jack] Nem sei por onde hei de começar, mas olha, já que falámos de gente fora da música, eu ia dizer o James Rizzi, que era um pintor de Nova Iorque, em que a visão naive e os quadros dele inspiraram-me bué, especialmente em músicas como as do Ka-Chow!, por serem divertidas, ajudaram-me a soltar, e a assumir o lado mais criança. Agora ando a explorar sonoridades assim de trip hop, tipo Massive Attack e por isso também ando a fazer cenas mais para o lado do trip hop e de eletrónica, também por influência do meu curso.

[Vert Gum] Genuinamente, não sei bem o que dizer.  É muito atual, é consoante o que ando a gravar, nem me lembro de todo o que é que estava a ouvir na altura do Ka-Chow!. Eu agora, como ando a trabalhar no meu álbum, estou a ouvir muito hyperpop e Drain Gang, sonoridades mais atuais, tipo 2020 para a frente. É isso que me anda a influenciar agora.

O Ka-Chow! ainda contou com uma bela campanha de marketing da vossa parte, com photoshoots e dramas preformados que nem uma novela da TVI ou o average beef de youtubers portugueses da década passada. Contem-nos um pouco sobre esse processo de promoção, tendo em conta que são artistas independentes, e se resultou como estavam à espera.

[Adler Jack] Hoje em dia é necessário ter marketing para bater, quer um gajo queira quer não. Portanto, já que é necessário, mais vale divertires-te à brava enquanto fazes essas coisas. As fotografias tiradas pelo Simão [Craveiro], tal como a nossa música, também foram organizadas em documentos, com as ideias que queríamos, os outfits e as narrativas que queríamos contar.

[Vert Gum] Marketing, daquele superficial, é tão mas tão engraçado. Não sinto que durante o processo de promover música estejamos numa cena profissional. Por exemplo, o caso do beef, da promoção para a música “+1”,  em que eu e o Tucano combinámos ficar chateados para aí durante duas semanas e pedimos às pessoas para armar um estrilho nas redes sociais, eu a mandar vídeos com XXXTentacion a dar por trás a reclamar da nossa relação ter acabado, foi das coisas mais engraçadas que já fiz dentro das cenas dos marketings.

Acham que o Cláudio André ficaria orgulhoso?

[Adler Jack] Mano, completamente! Esse gajo é uma das inspirações principais do Ka-Chow!.

[Vert Gum] Exatamente, temos de metê-lo no lema, aquele vídeo dele a dizer “Vocês nem sabem o que se passa na minha cabeça”, é incrível.

Acham que os marketeers do Instagram e os influencers têm muito que aprender com vocês?

[Vert Gum] Epá, não!

Ele(s) iam gostar da  “Não Pago IMI” e da “Mentalidade CEO”?

[Adler Jack] Agora que penso, não sei porque é que não nos esforçámos mais para fazer com que essas músicas chegassem até eles.

[Vert Gum] Nós estávamos aiming o Vasco Palmeirim quando podíamos apenas ter atingido o Cláudio André.

Apresentaram o disco recentemente no Musicbox, em Lisboa. Foi uma performance teatral e que deu uma nova dimensão às canções, com mudanças de vestuário e de cenários. Como correu e como foi preparar esse concerto?

[Adler Jack] Foi stressante!

[Vert Gum] Foi o pior mês da minha vida! Nunca mais dou concertos! [Risos]

[Adler Jack] Só tenho pena do pessoal que teve de estar connosco diariamente, porque eles levaram por tabela, por eu estar nervoso…

[Vert Gum] Tucano, desculpa!

[Adler Jack] Desculpa, também!

[Vert Gum] Foi de facto um mês super stressante. Andei constantemente de um lado para o outro, onde fui podre para pessoas, porque estive sempre ocupado, não só com o concerto, mas também a organizar outros projetos e até o concerto na António Arroio.

[Adler Jack] E conciliar tudo isso com a faculdade ainda é mais complicado…

[Vert Gum] Exato! E nos últimos dias antes do concerto, foi basicamente eu, o Tucano e o Bejaflor, em minha casa, a trabalhar até às seis da manhã, por exemplo, só para as luzes do MusicBox. Eu tive duas reuniões que juntas faziam seis horas só sobre o light design, e acho que quem foi notou todo esse empenho. Eu nem tive noção do quão cheio aquilo estava, mas no fundo valeu a pena!

Ao produzirem o disco já tinham em mente levar um formato destes para palco? Ou foi algo que surgiu consoante aquilo que cozinharam?

[Adler Jack] Na altura, não estávamos a tentar talhar o álbum para que fosse conceptualizado ao vivo, mas pensávamos que as músicas seriam muito fixes em concerto. Tínhamos o desejo, não o intuito.

[Vert Gum] Começou a ser uma realidade no final do ano passado, quando começámos a ter propostas de concertos, que acabaram por não acontecer, porque o Deus dos concertos não quis. Começámos a delinear plots de concerto para essas possibilidades, pois estávamos a planear consoante o público e o local. Foi por isso que o Musicbox foi tão especial. Reaproveitamos bastantes ideias que tivemos durante o ano inteiro e não planeámos apenas naquele mês em que o Gabrre nos convidou para ir lá tocar.

Ainda nos encontramos no ciclo Ka-Chow!? O que pretendem fazer em diante com o disco? Mais concertos ou, quiçá, reinvenções das faixas? Ou é esperar para ver?

[Adler Jack] Ainda estamos na fase Ka-Chow! e queremos dar mais concertos! Mas, como entretanto vamos lançar novos projetos, diria que não dura até ao próximo ano. Algumas músicas em princípio permaneceram, claro.

[Vert Gum] Eu gostava de apresentar o disco em algumas salas específicas. Gostava de fazer uma segunda ronda no MusicBox, porque gostava que mais gente visse o que planeámos. Também em sítios como a ZDB [Zé dos Bois], que dão outras condições que concertos ao ar livre não têm. É óbvio que vamos fazer um Ka-Chow! Unplugged [risos]. Isso seria bué goofy.

Adler Jack & Vert Gum
Fotografia: Cláudia Simões
Recentemente, de forma meia misteriosa, embarcaram numa nova aventura: uma nova label, a Æ. Como é que se pronuncia e do que se trata? Quem está presente, qual o vosso foco e acima de tudo o que é nos reserva para o futuro?

[Adler Jack] Man, como é que se pronuncia? Eu também não sei.

[Vert Gum] Isso é uma dúvida que anda por aí. Temos quem diga “A É”, quem diga “Hey”, temos “uh”, eu pessoalmente não gosto muito do “uh”. Agora tenta transcrever as diferentes formas que fiz.

[Adler Jack] Acho que o ponto é não ser pronunciável, estás a ver? Cada um pronuncia como quer.

[Vert Gum] Deixa-me ver aqui no Whatsapp quem é que está… Olha temos Adler Jack, Vert Gum, Submarinho, Bejaflor, Phaser, DJ GOSTO D TI, NICØ, Clauthewitch, TOMÉ, Luís Catorze, Athoms e XauLaura. Estou mesmo feliz com este projeto, está ainda no início, não está a correr de uma forma assim tão fluida, pois construir uma label dá muito trabalho, mas mesmo assim estou a gostar. É tudo malta que gosta de colaborar, malta interessante e de diferentes locais do espectro musical.

Sinto que existe uma transversalidade nos artistas da Æ: o online. Este que também é transversal ao vosso reportório. Que importância teve (e tem) o online nas vossas vidas e na construção da vossa identidade musical?

[Adler Jack] A Internet veio mesmo ajudar os artistas independentes a conseguirem construir a sua plataforma com mais facilidade e por isso eu sou muito grato – eu comecei a droppar músicas no Soundcloud que tinham alguma visibilidade de uma forma gratuita, por exemplo. Hoje em dia o que precisas para fazer música, para seres um artista, é um PC, e eu comecei a fazer música com um iPad. O online abre portas a pessoas que estão no seu quarto, que não precisam de grandes budgets para fazer trabalho criativo…

[Vert Gum] Ou sem saberem, ou terem, conhecimento musical e académico. Basta um puto abrir o FL Studio e gostar de Travis Scott.

Adler, no Genius do álbum, confessas algumas vezes que algumas coisas podiam estar melhores, segundo a tua ótica. Não sei se isto tem exclusivamente a ver com o facto de terem perdido algum trabalho, porque o teu PC morreu, mas mesmo assim o projeto [Ka-Chow!] viu a luz do dia. Porém, tenho ideia que no teu Instagram também confessas várias vezes que és um bocado perfeccionista. Como lidas com esta dicotomia? Isto é, como batalhas contigo próprio ao criar música, e tendo em conta essa tal leveza, de que falam, na seletividade das ideias?

[Adler Jack] Desde que comecei a fazer música que comecei a publicá-la. Por isso, é uma espécie de hábito. Tinha 11 ou 12 anos e estava a fazer loops de 10 segundos e, como  achava que estava fixe, publicava. Hoje em dia, epá, as coisas nunca vão estar perfeitas e eu consigo chegar a um ponto em que digo para mim “Ok, isto é o melhor que consigo fazer agora”. Se for estar sempre à espera que a cena esteja mesmo perfeita e a par com as melhores coisas que ouço, esse dia se calhar nunca vai chegar. Não sei qual vai ser a altura da minha vida em que vou ter mais capacidade para fazer música…

[Vert Gum] Até porque eu sinto que o Ka-Chow! é um álbum bedroom made, não exige uma produção por aí além. Acho que nem fazia sentido ter uma produção comercial.

[Adler Jack] Sim! Isto pode parecer abstrato, mas eu sei quando uma música minha está acabada. Eu sinto! Eventualmente, posso, passado dois ou três meses, voltar e perceber que há lá coisas que podiam estar melhores, pois entretanto já assimilei mais música. Se calhar, até perguntei a alguém, e até posso alterar uma coisa ou outra, mas enfim – não consigo explicar, é intuitivo.

[Vert Gum] Pessoalmente, também gosto do facto de termos um reportório de para aí quatro ou cinco anos e nunca apagamos a primeira canção que lançámos. Percebe-se que a produção não foi a melhor, aquilo foi cantado para um iPad, mas para mim é super wholesome. Pensar que comecei ali e agora estou aqui. É mesmo bom sentir essa evolução.

E tu Vert Gum, és perfeccionista?

[Vert Gum] Não, de todo.

[Adler Jack] Quanto pior estiver, mais rápido se lança! [Risos]

Adler Jack & Vert Gum
Fotografia: Simão Craveiro
Vocês neste momento estudam os dois música. De que forma isso tem impactado o vosso processo de criação?

[Adler Jack] No meu curso, que é mais direcionado para a música eletrónica e produção musical, tem bué impacto. Não no sentido de mudar a música que faço, mas sim da maneira em que novas coisas são acrescentadas. Por exemplo, a “Hanging Pieces” é um trabalho académico que publiquei e certamente vai haver mais, pois são-me pedidas cenas interessantes e eventualmente vou ter vontade de publicá-las. [Estudar música] teve muito impacto em mim em cenas específicas. Por exemplo, agora sou maluco por sintetizadores, por diferentes DAWs e por music gear no geral. A parte de produção musical também ajuda, pois eu vou ouvir mixes da altura do Ka-Chow!, ou basicamente tudo antes do curso, e fico tipo “Holy shit, estes mixes são mesmo podres”. As coisas que faço agora são bem melhores.

[Vert Gum] Acho que é a melhor altura para referir que, recentemente, trabalhei pela primeira vez, presencialmente, desde há muito tempo com o Tucano, e fizemos um grande bop, a nossa melhor música, que vai para aquele projeto a solo de que já falei. Notei mesmo que, desde as músicas anteriores que produzimos, tiveste [o Adler Jack] dois anos de curso, o que ajudou muito ao facto de termos feito a nossa música favorita até hoje.

Sei que esta pergunta mais podia ser feita à saída de um date com o vosso “+1”. Mas… vocês vêem um futuro juntos (musicalmente)?

[Adler Jack] Epá não sei, a Nina às vezes tem atitudes mesmo estúpidas. Não sei se quero continuar.

[Vert Gum] Eu até podia dar fight back e dizer uma cena contrária, mas não, sou eu mesmo. Desculpa!

[Adler Jack] Deixa lá, eu aceito como tu és. Mas, ya. Uma vez que nós no presente estamos a fazer música, significa que no futuro vai ser lançada música. Por isso, definitivamente temos um futuro, pelo menos em termos de lançamentos.

[Vert Gum] Eu não estou a exagerar, e não sei se é do facto de conhecer o Tucano desde que comecei a fazer música e, então, todo o meu processo foi acompanhado por ele, mas trabalhar com ele é muito diferente de qualquer outro produtor. Recentemente, só senti isso com o Bejaflor porque, lá está, conhecemo-nos e é um processo mesmo fluido e é crazy a rapidez de trabalho. Por exemplo, esta música de que falámos, é absurda. Ele veio cá a Lisboa, começámos às 14 e acabámos às 5 da manhã, sem pausas, só para comer, e foi sempre a trabalhar fluidamente. Portanto, não sinto que isso alguma vez vá mudar. Acho que é importante ter este plus one na música, desde o início. Tenho ideia que ninguém vai conseguir corresponder a esta química tão fortemente.

Em 2022, tivemos um Adler Jack super prolífico onde parecia que a cada semana saía uma coisa nova; e sei que tu, Vert, tens umas quantas músicas no forno, sendo que numa até admites ser “a Nina, a filha da Georgina” e já falaste num álbum de estreia a solo. O que é que têm para nos oferecer em 2023?

[Adler Jack] Eu literalmente acabei de abrir a pasta dos projetos e tenho para aí… 11 projetos diferentes. Por isso, sim, tenho montes de cenas. O primeiro em princípio vai ser o Maionese na Fartura, que vai ser um projeto de hyperpop com para aí seis ou sete faixas, com um lead single com o mesmo nome e que vai ter colaborações da Nina e do Bejaflor. Depois, tenho um projeto que até é parecido com o Ka-Chow!, que é o Basquetebol de Praia – também vai ter muitas features. Tenho o Cosmic Dance, que nem sei se se vai chamar Cosmic Dance, e é uma exploração que ando a fazer noutros DAWs, neste caso o Logic [Pro], e segue uma cena mais de jazz e até pega em cenas de música do mundo com percussões mais naturais e assim. É um projeto totalmente a solo e é só instrumental. Vou fazer outro EP semelhante ao FUN, que vai ser uma cena de dança, mais para os lados de Avalanches e Daft Punk. Vai ser um bocado diferente, pois aqui não precisas de ouvir tudo de seguida, pois as músicas já vão ter a sua própria vida, mas ainda assim vai seguir essa estética de como se fosse um DJ set, devido às transições. Além disto tudo, ainda tenho outro álbum em que estou a depositar mais tempo, então se calhar ainda vou demorar a lançar, que é de eletrónica e trip hop e mistura muita música que ando ouvir agora, e onde também me estou a focar em termos de escrita, até porque vai tocar em cenas mais íntimas. Se calhar ainda tenho uma cena mais para os lados de Jamiroquai, mas de resto, acho que é tudo.

[Vert Gum] Eu apresento por este meio a minha demissão da música [risos]. Obrigado por acompanharem a minha cena… Vá, à parte de bastantes colaborações, sendo em projetos do Tucano ou do Bejaflor, tenho também a questão do single da “Georgina”, que temos apresentado ao vivo em todas as oportunidades que tivemos. É com o Bejaflor e com o Adler Jack e conta a história de uma jovem que começou a ver o documentário da Georgina [Soy Georgina] e começou a pensar que ela era a sua mãe e focou-se muito nisso que até começou a chamar o [Cristiano] Ronaldo de pai. Depois o amigo, que neste caso é o Zé [Bejaflor] tenta desconstruir essa ideia. É uma música muito fun e deve sair com um videoclipe, mas gostava ainda de ter uma curta-metragem. Depois, vai ser o meu álbum de estreia a solo, com cinco ou seis músicas, muito 2020 para a frente. Pode ter UK garage ou até reggaeton, mas conta sempre com uma produção muito hyperpop-ish e etérea. Desta vez, estou mais focado na produção e estou mesmo preocupado em tentar conversar com os produtores e estar com eles presencialmente. Tem a produção do Adler Jack e do Bejaflor ainda tem mais umas features. Estou também a trabalhar em todo um tipo de concerto teatral, até estou a trabalhar com uma amiga designer, a chikki chikki, para o design da roupa e do palco, do qual planeio fazer tours, pois é um projeto que não é tão nicho como o Ka-Chow!. Se tudo correr bem, espero que saia ainda este ano, talvez no verão. Não quero que os concertos sejam uma mera exposição de música.

Para finalizar, o que é que gostam mais de comer nos 100 Montaditos?

[Adler Jack] Epá, tenho de ver o menu!

[Vert Gum] Eu nunca fui lá! Fun fact: A razão do nome advém de na altura não conhecermos muitas referências do hyperpop nacional e dissemos que os 100 Montaditos eram os 100 gecs da cá. Depois descobrimos que havia um franchise espanhol com o mesmo nome da música [risos].

Bem, têm alguma coisa que gostassem de dizer ao mundo?

[Vert Gum] Eu tenho uma coisa para dizer e o Tucano assina, e este é o nosso último statement: RIP Cavaco Silva. Tipo, ele ainda não morreu, mas para quando ele morrer, porque sabes que está mesmo para vir.

Fotografia de destaque: Joana Monteiro

Nascido e criado em Faro, divide o seu coração entre as suas duas grandes paixões, o cinema e a música. Aspirante a cientista da comunicação, já passou pelo Espalha-Factos onde foi um dos autores do À Escuta. Conseguem apanhá-lo em festivais de música e em cineclubes!
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