Editorial #4

dissocia-te
rompe em movimentos de serpente por entre a multidão, olhos postos no nada
fura como água, como plasticina adaptável aos corpos dos outros
avança
avança sempre
balança a cabeça à medida que o som fica mais perto
o sorriso a formar-se
as mãos que não sabem o que fazer,
então carregas um copo numa e usas a outra para abrir caminho
desliza rasteiramente os pés pela pista, não vás pisar alguém
e os olhos que nem vêem
e os ouvidos que nem ouvem
e o coração que bate ao ritmo dos graves, transformando-se na própria música
avança mais
um flash rosa
outro amarelo
dois gritinhos seguidos duma gargalhada
um cheiro doce e enjoativo a licor, outro mais azedo a cerveja entornada na roupa
suor, perfume, tabaco, sexo
desvia-te para não quebrares esse abraço à tua frente
avança mais um pouco
tudo é euforia, tudo dança
menos tu
tu só avanças como se a verdade estivesse algures mais à frente
nem sequer sabes onde vais
quanto tempo lá ficarás
se algo ou alguém te espera, ou se vais ao encontro daquilo a que estavas a fugir
estás quase lá
mais dois passos
mais um strobe
mais um encontrão na tua mão do copo, que felizmente já não ia cheio
e de repente paras, sem saberes muito bem porquê
ficas inerte no olho do furacão,
enquanto à tua volta tudo se passa em câmara lenta como na tv
olhas para cima à espera duma revelação
e apercebes-te que não fazes ideia do que te trouxe até aqui
só sabes que chegaste finalmente a casa.

tripeira de nascimento, parisiense por adopção. já escarafunchou muita arte, pisou muito palco, escreveu para muito sítio, e deitou muita carta. doutora em quebrar corações (e não só) e eterna electroclasher.
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