Sonhar nunca é demais e iolanda é prova disso. Desde cedo decidida a lutar pelo desejo de singrar na música, é em 2023 que nos traz a sua primeira afirmação artística. Cura é o curta-duração com que iolanda se estreia a solo, contando com o contributo de Luar, LEFT., miguele, NED FLANGER e Rita Onofre em diferentes etapas do processo criativo.

Composto por sete faixas fortíssimas, misturadas e masterizadas por Charlie Beats, Cura aponta para um R&B contemporâneo, aprimorado por nuances electrónicas, múltiplas camadas de música tradicional portuguesa e uns toques de hip-hop, fazendo-nos percorrer um enorme espectro de sentimentos. Como se isto não bastasse, iolanda tem o dom de fazer-nos investir no seu mundo através das suas letras. Escutando este EP, que nos fala sobre seguir em frente após uma relação conturbada, cria-se a imagem de uma artista em busca de si própria e de alguém que está ciente que isto é apenas o princípio de algo maior.

Numa bela manhã a adivinhar verão, a Playback sentou-se à conversa com iolanda, num café em Alcântara, para falar sobre a sua relação com a música, a experiência em Londres, de onde vêm todas estas canções que nos estão a conquistar e o que se segue no futuro. Em momento algum esconde o seu orgulho e felicidade em torno desta Cura.

O início de uma relação com a música e a escrita como arma criativa

É entre Pombal e Louriçal onde iolanda começa a estabelecer uma forte relação com a música. Dos 5 anos em diante, frequentou aulas de percussão, integrou um grupo de cavaquinhos com os seus pais, acompanhou aulas de solfejo numa filarmónica onde estudou e tocou saxofone (apenas durante um ano, ao contrário do que se diz por aí) e, aos 12 anos, enveredou pelo piano ao entrar no Conservatório de Coimbra, tendo lá estado quatro anos. “Só que não amei”, confessa. “Adorava ouvir as pessoas a tocar piano, mas não me revia naquela cena mega clássica. Se bem que tenho alguma pena, porque, hoje em dia, talvez me desse jeito ter mais skills, mas divirto-me e é o que importa”.

É no Instituto D. João V, durante um concurso de talentos, quando pisa o palco para cantar “My Immortal” dos Evanescence, que o sonho começa. “Lembro-me de pensar como seria cantar para uma multidão de pessoas. Não sabia que ia fazer da música vida, mas sempre sonhei a partir desse momento”, recorda iolanda. Entram as aulas de canto, as estreias ao vivo em bares, os primeiros rascunhos de canções e, pelo meio, algumas participações em programas de talento da televisão portuguesa. De Pombal viaja para Lisboa onde tira Ciências da Comunicação e tenta manter o sonho da música vivo frequentando o Hot Clube, durante três anos.

Todos estes passos, sempre por iniciativa própria, acabaram por estimular “esta vontade de fazer música”, para além da veia artística que percorria na família: “a minha mãe teve uma banda, o meu pai tocou numa orquestra e o meu bisavô tocou saxofone”. E, claro está, se há coisa que iolanda não fez foi baixar os braços, desafiando-se sempre, inclusive para sair da sua zona de conforto. Aos 24 anos, rumou a Londres para “respirar”, “descansar”, “experienciar outras coisas” e, acima de tudo, reconstruir a sua identidade artística. “Era importante, para mim, sair do foco onde estava: não ter passado no The Voice Portugal, ter ido a imensos programas, ter bué originais e não estar a acontecer nada”, refere. Acomoda-se no BIMM Institute, onde ingressa num curso de songwriting, pois sempre encontrou magia nas palavras. Daí conseguiu aprender a moldar os seus “medos e inseguranças” e deixar que a música “falasse mais alto do que os próprios traumas”. iolanda passou não só a escrever para si, como também para outros artistas. “É mais difícil escrever para os outros do que para mim, mas é um desafio interessante”, afirma. Para ela, é um processo que envolve exercitar um “músculo interior” que permita ler a pessoa o melhor possível. “Quando estás a escrever para os outros, acabas por ter que desligar todo o teu ego. Na verdade, o ego nem sequer é muito importante para fazeres música, porque a música fala mais alto que o próprio ser humano”.

iolanda
Fotografia: Pedro Ivan

Londres também serviu a iolanda para crescer a nível pessoal. Entre estudos, trabalho (que se viu forçada a arranjar imediatamente) e criar música, restava pouco tempo para a diversão, mas ainda assim conciliava tudo. Por isso mesmo, sente que aprendeu “a dar muito valor ao tempo” e ao seu próprio “espaço” e, consequentemente, “às saudades da família e amigos”, uma vez que estava por sua conta num lugar desconhecido. Se há uma palavra que retira de toda a sua experiência na cidade londrina é perseverança. “Deu-me perseverança para perceber que as coisas não vêm de forma fácil. Aliás, já sabia disso, mas lá vivi isso muito mais – temos que ser nós a lutar pelas coisas que queremos”, remata.

iolanda e a sua Cura

Em 2020, devido à pandemia, iolanda regressa a Portugal, onde acaba por concluir, em formato online, o terceiro (e último) ano do curso de songwriting. Daí em diante, dá-se o ponto de viragem da sua carreira.

16 de abril de 2020 está marcado na sua memória e, agora, também na nossa: foi o dia em que escreveu a primeira canção que viria a integrar o seu EP de estreia. “Foi bué natural”, é assim que descreve o processo da “Quem Tem Mossa”. Sozinha, mergulhada em memórias antigas, com uma guitarra nas mãos, foi escrevendo e procurando “formas de cantar e de fazer melodias”, culminando num “pedido de ajuda” para conseguir afogar a memória do outro – não é por acaso que canta “escuta quem tem mossa” (mossa significa ferida).

Pouco tempo depois, nasce a “Lugar Certo”, o momento em que se deu  conta que perdeu a pessoa para sempre. “Quando as coisas estão mal numa relação, tu só queres voltar àquela fase em que estava tudo bem – o que raramente acontece – e eu quis personificar isso”, afirma. “Juro Já Nem Paro”, a verdadeira balada do EP, surge em setembro/outubro, representando uma fase mais frágil da sua história de (des)amor, em que iolanda se apercebe que não havia volta a dar na relação e que dali teria que “seguir sozinha”. Na mesma altura, escreve também a “V de Volta”, que chega em forma de emancipação de todas as dores e mágoas que foi “arrastando” dentro de si, culminando num momento q.b. “agressivo”.

É a 31 de dezembro de 2020 que começa a romper aquele que viria a ser o seu single de estreia, “Cura”, onde fala sobre a necessidade que sente em ser amada. “Quis também representar um bocado aquela dualidade entre amares pessoas de sexos diferentes”, acrescenta. iolanda recorda que, depois de escrever a “Cura”, que esteve guardada na gaveta durante algum tempo, é que percebeu que tinha em mãos um potencial EP. “Precisava de deixar de pensar naquela pessoa e de seguir em frente – era o momento certo”, afirma a artista. Juntou o útil ao agradável: trabalhou, durante dois anos, no primeiro projeto a solo enquanto fechava um ciclo da sua vida pessoal.

Depois de ter todo este material na sua posse, procurou definir “uma linha condutora” de forma a organizar os “vários momentos” e os seus “próprios sentimentos”. O alinhamento do curta-duração não é ao acaso e ainda conseguiu encaixar na perfeição dois interlúdios para “abrir e fechar o EP” – o que é tudo menos descabido, tendo em conta que qualquer história bem contada tem um princípio, um meio e um fim. “31 de Dezembro de 2020” abre portas ao universo da artista através de uns acordes desconstruídos da “Cura” e uma improvisação de notas, tornando-se a fusão perfeita de todos os temas. O instrumental do interlúdio final, “Estas são as canções que escrevo sobre ti”, brotou naturalmente num retiro que fez com Luar e Rita Onofre em casa da sua avó paterna. Desencantaram um áudio gravado com o dictafone, onde se ouvem uns acordes soltos de guitarra e cavaquinho, ao qual iolanda acrescentou “duas quadras”. Com isso, quis frisar o aspeto que amou a pessoa “do início ao fim”, apesar de “tantos altos e baixos”.

Quem escutar esta Cura com atenção pode identificar uma dicotomia que não é conseguida por qualquer um. Se olharmos para a relação vivida por iolanda (que não é tão recente como parece), faz-se uma viagem triste e decrescente porque, efetivamente, a relação terminou. Se olharmos para a relação consigo própria, embarca-se numa viagem profícua e crescente, porque houve todo um processo de superação e emancipação. “É um EP sobre os meus sentimentos e não sobre a relação em si (…) que nasceu numa perspetiva de curar”, diz. Se há algo transparente neste curta-duração é a sua vulnerabilidade, considerando-se “uma pessoa bué aberta”, daí soar tudo tão “pessoal”.

Ainda assim, domina metáforas como ninguém, convidando cada ouvinte a tirar as suas próprias conclusões. “Não quero que as pessoas ouçam o EP apenas como a minha história. Cada um interpreta como quiser” – e a magia está aí. O que nos leva a pensar em como a cura de iolanda pode efetivamente ser a cura de tantos nós. “Quando penso que isto pode ter um impacto nos outros acaba por ser overwhelming. Soa clichê mas espero que encontrem a cura na minha cura, reflete.

Uma sonoridade refrescante que não deixará ninguém indiferente

Em termos sonoros, o que se ouve na Cura de iolanda é totalmente épico. Não sabe ao certo de onde vem esta sonoridade, mas acredita que é influenciada pelas suas vivências.

Os toques de música tradicional portuguesa deve-se a todo o seu background artístico, e ainda conseguiu captar uma “ambiência campestre”, despertada pelo facto de ter vivido, durante vários anos, num “sítio muito calmo” que lhe transmitia “paz interior”. Os beats electrónicos conseguidos com fortes 808s e synths advêm muito da sua estadia em Londres e por ouvir muito H.E.R. e Mac Ayres. Mas iolanda ainda se desafiou a si mesma e à sua equipa numa abordagem mais suave, com violinos e violoncelos à mistura.

Como é óbvio, nada disto seria possível sem as pessoas que lhe são mais próximas e que desde sempre idolatrou. Começa por mencionar Rita Onofre, o seu “braço direito” em algumas letras e melodias. “Dependi também muito dela para opiniões e ideias”, completa. Quanto ao Luar, LEFT., miguele, NED FLANGER e, ainda, YANAGUI (conseguiu encaixá-lo a tocar teclas), cada um leu iolanda “muito bem”, e deu “um bocado de si” e “muito do seu tempo” a este projeto. “O meu sentimento de vitória vem também daí – de os ter a todos no meu EP, de ser uma cena mega natural, cheia de amor, compreensão e apoio, ainda para mais sendo uma artista independente”, desabafa. O processo criativo deu-se de forma espontânea mas, “a nível de produção”, a artista recorda que houve muitas experimentações. “Fomos adicionando cenas e camadas, às vezes umas fizeram sentido, outras não”, esclarece.

O exemplo mais experimental do EP é a “Cura” – “é o epítome da minha cena mais criativa” – e é esse registo sonoro que pretende explorar mais num futuro próximo. Ainda assim, não deixa passar ao lado a curiosidade que tem em trabalhar uma sonoridade associada ao rancho folclórico. Para os menos atentos, iolanda também deu uns toques na produção do seu EP, mas planeia apostar ainda mais daqui para a frente. “Neste EP, quis focar-me essencialmente na parte escrita e também perceber o que queria e gostaria de fazer em termos de sonoridade, para que no futuro já tivesse isso assente. Foi uma decisão por força das circunstâncias, mas quero bué produzir e criar cenas minhas”, partilha.

Na voz e nas melodias ouvem-se influências de artistas como Rosalía (“é a minha mãe da música”), Jessie J e Solange, com um toque ibérico de quem cresceu a ouvir muito fado e Amália Rodrigues. Nas suas gavetas podemos encontrar canções em inglês, mas sente que o português tem “outra magia” e “outro sentimento”, e é através da língua-mãe que consegue “explorar mais” a sua escrita.

O conceito visual por detrás da Cura

“Não queria pôr a minha cara nas primeiras capas, não sei se por insegurança…”, começa por desvendar iolanda. Uma vez que estaria a contar uma história do início ao fim decidiu também explorar isso na estética visual, revelando aos poucos e poucos a intenção por detrás do projeto. O primeiro símbolo que lhe surgiu foi um coração, mas não queria um “coração básico”, procurava antes algo mais “visceral”. Depois de algumas pesquisas, adotou várias versões de um coração anatómico. O primeiro single, “Cura”, surge representado por um coração remendado, a “Lugar Certo” por um coração que representa uma “casa vazia em ruínas” no seu interior, e a “Juro Já Nem Paro” em que o próprio coração é uma vela apagada.

“Numa altura, achava que estava a adicionar coisas, mas apercebi-me que não. É literalmente a representação de três momentos diferentes”, revela. E como a sua mente é um poço de surpresas, ainda conseguiu interligar os elementos nos telediscos. “Gosto bué de fazer estas ligações e acredito que, daqui para a frente, seja uma cena que vou explorar mais, ou seja, ir buscar referências de coisas que já fiz ou até dar pistas de coisas que vão surgir no futuro”, afirma.

iolanda
Fotografia: Pedro Ivan

Na capa do EP, acreditava que já faria sentido expôr-se um pouco mais. Chamou uma bodypainting que lhe desenhou umas rachas pelo corpo como se estivesse a partir-se: “o que não chega a acontecer, porque sigo em frente enquanto pessoa que sofreu, que está agora aqui e que está bem”.

Um futuro risonho ao virar da esquina

Na passada sexta-feira, dia 7 de abril, iolanda cantou a sua Cura para um Tokyo Lisboa a abarrotar de gente. Não foi a primeira vez que tocou ao vivo as canções que compõem o seu EP de estreia e é por isso que preferiu chamar-lhe uma “festa de lançamento”. Dias antes do concerto, partilhou connosco que queria “celebrar e comemorar” este projeto com aqueles que a ouvem e com aqueles que deram “corpo e alma” durante os últimos dois anos de criação. E foi mesmo isso que aconteceu – e muito mais. Depois da abertura surpreendente e estrondosa de Inês Monstro, iolanda subiu ao palco e proporcionou a todos uma das noites mais inesquecíveis das suas vidas, mostrando ser uma das grandes promessas da música portuguesa.

Sabe-se que no dia 22 de julho irá marcar presença no Ti Milha e, antes disso, ainda irá subir ao palco do Capitólio, no dia 29 de abril, como uma das convidadas de JÜRA. E porque a sua cabeça está sempre a cozinhar novas ideias, já começa a pensar num possível longa-duração. “Até lá, vou aproveitar o meu tempo, escrever umas coisinhas, lançar alguns singles e colaborações que quero fazer”, adianta iolanda.

Quando se fala em colaborações desejáveis começa por mencionar JÜRA, xtinto, Gson e Nenny. Traz ainda à baila nomes que lhe são próximos, tais como INÊS APENAS, Rita Onofre e LEFT. No entanto, não esconde o desejo em trabalhar com Ana Moura. “É uma das minhas maiores referências musicais portuguesas, ela tem muito daquilo que eu bebo – sinto que podia dar em algo”, termina.

Fotografia de destaque: Capa do EP

Nascida e criada em Aveiro, mas com a Covilhã sempre no coração, cidade que a acolheu durante os seus estudos superiores. Já passou pelo Gerador, e pelo Espalha-Factos, onde se tornou coautora da rubrica À Escuta. Uma melómana sem conserto, sempre com auscultadores nos ouvidos e a tentar ser jornalista.
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