Uma semana laboral custa. Apostamos sempre num equilíbrio entre o profissional e o pessoal mas, para o alcançar, é preciso também algum esforço do nosso lado. No fim do dia, chegamos cansados, o corpo precisa de descanso, as pernas pedem pausa e a cabeça precisa de silêncio depois da agitação. Ainda assim, para termos energia, precisamos de motivação. E no final do mês de outubro, houve muita motivação para correr até Guimarães.
O festival Mucho Flow regressou entre os dias 30 de outubro e 1 de novembro, decorrendo, como de costume, numa itinerância entre salas de espetáculo e clubes próximos: o CAAA, o auditório e galerias do Teatro Jordão, os auditórios do Centro Cultural Vila Flor (vulgo CCVF), o Teatro de São Mamede e a discoteca Património. Como de costume, trouxe uma enorme variedade de artistas, géneros e nacionalidades e voltou a provar ser um grande festival, com uma fórmula praticamente perfeita. De facto, festivais fora do verão são possíveis e, tirando o fator da chuva, estão ao nível dos de verão. Estar num espaço quente durante o frio é reconfortante, e acabar a noite num club é uma lufada de ar fresco.
O cartaz deste ano esteve ainda mais sólido do que o da edição anterior e contou com nomes muito entusiasmantes para os amantes de rock, como YHWH Nailgun e Maria Sommerville. Para os menos rockeiros e mais curiosos pela música dita “esquisita” ou para bater o pé, também houve variedade e peso, do rap anti-sistema de Infinity Knives & Brian Ennals ao eletro-pop romântico de Sassy 009. Havia para todos os gostos, e para quem não conhecia nada, também havia, porque este é um festival excelente para se entrar de olhos fechados e conhecer coisas novas.Além do cartaz, o festival contou com o cenário perfeito: uma cidade acolhedora, bons tascos e um ambiente feito de pessoas que realmente querem estar ali. As condições para um festival perfeito voltaram a reunir-se pelas mãos da Revolve, e Guimarães deu palco, mais uma vez, a um grande festival.
Dia 1
A salvação do quotidiano laboral
Ainda há momentos em que me tremem as mãos quando começo a arrumar a mochila no fim do trabalho. A viagem até Guimarães, especialmente num dia de chuva, traz sempre uma certa ansiedade, o trânsito das 18h15 aperta, os carros colam-se à estrada, e a cabeça vai já a meio caminho entre o cansaço e a expectativa. Mas cheguei a horas a um dos melhores concertos do festival.
O protagonista foi o baterista Pedro Melo Alves (demasiados projetos para enumerar), que ofereceu um final de tarde absolutamente memorável e, para minha surpresa, num concerto aberto ao público.
Costumo torcer o nariz a atuações em que o músico se apresenta de costas para o público, mas aqui fez todo o sentido. Pedro posicionou-se de modo a que se pudesse ver perfeitamente tudo o que fazia: os gestos, as nuances, o diálogo entre som e imagem. À sua frente, projetava vídeos que se fundiam com o ambiente sonoro que criava.
A sua bateria experimental explorava sons e texturas, manipulados em tempo real, muitas vezes enquanto tocava. O resultado foi um concerto espacial, uma viagem por ritmos que, embora muitas vezes invisíveis, pareciam surgir do próprio ar. Havia destreza e uma constante mutação na forma de tocar. E, curiosamente, dentro daquilo que poderia ser uma experiência “difícil” para quem não está habituado à música experimental, havia sempre dinamismo. Algo que mantinha o público ligado, atento, a tentar decifrar o próximo som, o próximo gesto e mesmo os próprios vídeos que mostrava que, embora no início do concerto se focassem mais em imagens abstratas, rapidamente evoluíram para uma overdose de estímulo de internet com imagens que funcionaram como críticas a temas contemporâneos. Saí do CAAA com uma certeza: Pedro Melo Alves é um nome a não perder seja onde for.
O CCVF transborda intriga
O fumo escapava do auditório pequeno do CCVF e espalhava-se pela rua, como um convite silencioso a entrar. Lá dentro, o calor era denso e preparava-nos para algo que ninguém parecia conhecer muito bem ou saber sequer de que se tratava. O nome era Raso – um coletivo de música experimental, próxima do universo do hip-hop.
Durante quase todo o concerto, as feições dos integrantes permaneceram ocultas, visíveis apenas em silhuetas recortadas pelas luzes intermitentes. A escuridão e a intensidade dominavam o espaço, criando uma atmosfera quase ritual. E apenas no final conseguimos ver as feições dos membros. Embora estivessem apenas presentes três destes, Raso é formado por Ricardo Martins, Jonathan Uliel Saldanha, Carlos A. Correia, Pedro Ribeiro e Diogo Mendes, e tem o disco de estreia pronto a ser editado pela Revolve a 21 de novembro.
O espetáculo misturava spoken word, batidas de trap e ruído controlado, tudo sustentado pela bateria firme de Ricardo Martins. As letras carregavam uma auto ironia melancólica, textos bem escritos que exploravam a vulnerabilidade com um toque de autodepreciação (à la Nerve, como nós gostamos). A voz de Carlos A. Correia, de barba cerrada, projetava uma presença misteriosa que me levou, por um instante, a imaginar: “e se este for o Mundo Segundo?”. Não era, mas podia ser.
Apesar da coesão e da força performativa, a mistura pedia mais corpo, talvez um baixo ou uma guitarra para dar aquela pujança que o som parecia prometer. Ainda assim, o concerto resultou num dos momentos mais intrigantes do festival.
A vulnerabilidade e o romance
Já no auditório grande do CCVF, com apenas 22 anos, a londrina feeo, autora do entusiasmante Goodness, subiu ao palco acompanhada do guitarrista Caius Williams e mostrou com clareza a mestria da sua voz, vulnerável, angelical, e simultaneamente cheia de presença. A música que interpretou tinha uma estética minimalista: há distorção, mas nada de barulho, antes um trabalho de texturas de som e silêncio que cria um espaço próximo de partilha com o público. O palco ingeria respirações profundas, dando tempo à música para ganhar vida, para se mexer devagar, e permitindo que o ritmo, quando aparecia, surgisse quase por osmose, tão subtil que parecia flutuar. A guitarra de Williams limitava-se a sustentar e respirar com a voz, o que resultou num espectáculo com bom ritmo. Num concerto que parecia à primeira vista pedir mais instrumentos, o menos foi mais.


Para alimentar a choradeira e o coração partido, houve ainda Sunniva Lindgår. Apresentando-se como Sassy 009, a norueguesa trouxe ao Mucho Flow um concerto que encontrou equilíbrio entre o pop experimental e uma energia que roçava a pista de dança. Na voz e no baixo, acompanhada por um baterista e um teclista, Lindgård construiu um híbrido sedutor de eletrónica e traços de hyperpop, onde o instrumental flertava com o trap. As suas canções de sofrimento romântico tinham uma certa pulsação que por breves momentos até proporcionaram um passinho de dança. Por vezes, confesso que fazia uma careta ou outra a determinadas músicas por serem um bocado miscelânea de géneros a mais, mas o público aparentou estar feliz ao escutar aquelas canções. Às vezes, é só isso que é preciso.
Dia 2
Isto é o Teatro Jordão ou a cave de um amigo?
Hannah Frances é um dos nomes mais entusiasmantes do indie folk atual. O seu mais recente trabalho, Nested in Tangles, conquistou-me imediatamente como um dos melhores do ano. Há nele uma escrita íntima, onde a voz de Hannah guia arranjos subtis e harmonias densas. O disco cruza-se por momentos com o progressivo e o jazz, explorando estruturas pouco convencionais, mas sem nunca perder o enraizamento no folk. É um trabalho cheio de identidade e inquietação que eu estava desejoso de ver no Mucho Flow.
Ora, a Hannah Frances cancelou por motivos alheios a sua atuação no festival e para substituí-la veio Mohammad Adam, artista oriundo de Leicester. Quando entrei no Auditório Jordão, uma pergunta não me saía da cabeça: “Isto pode-se dizer que é um concerto? Ou mesmo sequer uma performance?”. Mohammad Adam estava em palco sozinho, a passar as suas faixas enquanto pressionava alguns soundboards e balançava levemente, de pé, com um lenço na cabeça. As músicas eram uma espécie de ambient eletrónico meio desorientado… mau. A certa altura, senti-me como se estivesse na casa de um amigo a ver alguém mostrar-me as suas novas músicas no computador. E eu gosto desses momentos íntimos dos amigos a mostrar o som que fizeram. Mas não era preciso ser no Auditório Jordão. Uma pena.
Está na hora de nos mexermos
A atuação de Lauren Duffus, nas Galerias do Teatro Jordão, veio salvar a minha disposição. Setup simples, backing tracks a correr, mistura em direto e uma voz flutuante carregada de efeitos, que me pôs logo de óculos de sol.
Lauren, artista londrina, explora ritmos com produção atmosférica e vocais etéreos. A música soava bem orquestrada, governada por um certo experimentalismo, mas com uma clareza pop subjacente com muita influência de Dean Blunt e companhias. O show fez-se íntimo e acabou por aquecer com sucesso a noite.
Com o aquecimento já feito, o concerto de Infinity Knives + Brian Ennals brilhou com convicção. Este duo de Baltimore, conhecido por transportar o hip-hop para territórios experimentais, trouxe ao palco o seu arsenal de batidas pesadas e letras que não pedem licença para dar um soco. Os amantes de Death Grips e desses hip-hops mais violentos estiveram bem servidos, e quem tinha visto Angry Black Men na edição anterior viu as expectativas superadas.
Infinity Knives controlava os decks como um selvagem: beats altos, camadas industriais e pausas que permitiam que Brian Ennals entrasse com o seu flow, energia contagiante, e críticas ao lixo dos dias que correm: Donald Trump, Benjamin Netanyahu e Charlie Kirk.
Apesar de muito de positivo a tecer sobre este concerto, senti que o formato sofria pequenas oscilações de qualidade. Embora o som estivesse sólido e os beats nunca deixassem a desejar, houve momentos em que as letras me pareceram simplistas e algo cringe, e em que o encaixe entre o peso da produção e a entrega verbal não foi sempre perfeito. Mesmo assim, a forma como apresentaram as músicas foi exatamente o que era pretendido deles: violência, saltos e ¡Viva la revolución!
Falta mais cowboyada
No auditório do CCVF, o concerto de Los Thuthanaka arrancou com uma expectativa elevada. Afinal, a Pitchfork atribuiu a impressionante pontuação de 9.3/10 ao seu álbum de estreia homónimo.
Víamos então no palco os irmãos Chuquimamani-Condori e Joshua Chuquimia Crampton a misturar ritmos ancestrais com circuitos electrónicos e guitarras leves. A performance teve música de dança no seu núcleo e de certa forma alguma cowboyada. Se foi bom? Bastante. Se me deixou boquiaberto? Por agora, não. O espectáculo teve momentos muito potentes e sonoramente ambiciosos, mas as músicas não arrancaram sempre com a força que prometiam.
O concerto seguinte foi de Nick León, DJ e produtor do sul da Flórida, que transformou a pista num território de contemplação. Coloquei-me novamente em frente ao palco, preparado para mais uma descarga de energia, mas percebi logo: isto era um daqueles sets que dava perfeitamente para ouvir sentado. E sentei-me. O som de León era etéreo e celestial, uma mistura de batidas dispersas, texturas ambientais e momentos meditativos. Havia ritmo, sim, mas eram batidas que pediam mais para abanar no lugar do que para dançar de pé. Mesmo assim, gostei muito. O set teve uma calma rara dentro do contexto do festival, abrindo espaço para flutuar no auditório do CCVF.
Dia 3
O acordar das fadas do futuro
Para quem chegou tarde a casa no dia anterior, depois de uma noite de clubbing intenso, havia uma notícia reconfortante: podiam ficar mais uma horinha no sofá a ressacar. A artista Lux, por motivos de saúde, cancelou. Assim, o primeiro concerto do terceiro dia do Mucho Flow foi o de plus44Kaligula. Cally Statham, mais conhecida pelo nome artístico plus44Kaligula, é uma produtora, compositora e cantora inglesa que explora as fronteiras entre o pop experimental e a música eletrónica de vanguarda.
No meio do nevoeiro, via-se um palco decorado com um microfone futurista, uma imagem que imediatamente evocava Fever Ray e todo um imaginário perdido entre o místico e o tecnológico. A música era incrível: cheia de experimentalismo, intensidade e uma performance melodramática. Cally mostrou especial mestria enquanto compositora quando pegou numa guitarra, e foi aí que senti um clique, percebi que estava diante de algo muito mais do que uma artista abstrata: havia ali muito trabalho, intenção e estrutura.
O concerto foi conduzido por impulsos sombrios e dramáticos com vocais ousados que pairavam sobre produções fluidas, chegando a evocar um coro de serafins a cantar em uníssono. Sem grande aviso, foi um dos concertos mais impactantes do festival.
Nirvana?
Eu já tinha visto bbb hairdryer algumas vezes e, honestamente, tinha mixed feelings. Ao início, detestei; depois, passei a gostar das músicas. Contudo, fiquei sempre de pé atrás face às performances. O problema não é a violência pela qual algumas das performances de Elisabete Guerra e companhia (chica, Chinaskee e Francisco Couto) são conhecidas. Eu gosto de violência, acho giro. O problema é tocarem de costas viradas para o público. Não sei porquê, nem quero saber. Não gosto. Sinto desinteresse por parte deles e pronto. Confesso que às vezes fico com uns pet peeves que depois é difícil contornar. Mas, pela primeira vez, vi‑os de costas e pensei: faz todo o sentido.
O concerto de bbb hairdryer no Mucho Flow foi muito bom. O facto de as galerias do Teatro Jordão não terem o melhor som acabou por elevar a atuação, que é abundantemente construída em feedback e distorção. A banda autointitula-se queercore power trio, mas para os menos familiarizados, são uma espécie de Sonic Youth naquela fase grunge, só que muito mais barulhenta e deprimente (bastante emo). Nirvana ao vivo, essencialmente. E, de facto, houve nirvana ao vivo. Enquanto comentava isso com um camarada, eles sacaram um cover de “Territorial Pissings”. Achei um bocado cringe, mas encaixou perfeitamente na energia do concerto. Tocaram grande parte das faixas do último disco, A Single Mother / A Single Woman / An Only Child, as quais ganharam ainda mais força ao vivo, sendo que já havia para dar e vender. Houve ainda por ali um mini mosh, que incentivou o público a ter mais energia. No final, foi o concerto deles que vi de que gostei mais. Barulho, caos, intensidade e música muito honesta.
Morte às imitações de pós-punk
A estreia dos YHWH Nailgun em Portugal era muito aguardada, pelo menos para mim. Os norte-americanos editaram este ano o disco 45 Pounds, um dos álbuns de punk mais refrescantes que ouvi nos últimos tempos, a cair como uma pedra num charco no meio de bandas que soam todas a cópias baratas de The Fall e de toda essa onda de pós-punk do início da década de 80. Se estou farto dessas bandas? Sim. E os YHWH Nailgun entusiasmaram-me precisamente por não soarem a nada que já tivesse ouvido.
Constituídos pelo baterista Sam Pickard, o vocalista Zack Borzone, o guitarrista Saguiv Rosenstock e o teclista Jack Tobias, os YHWH Nailgun trouxeram uma lufada de ar fresco às galerias do Teatro Jordão: um som despretensioso, mas super rico, com o seu toque de experimentalismo, sem nunca largar as raízes do punk. Borzone domina o palco com uma postura monstruosa, movendo-se como se estivesse em sofrimento constante. Cantando com uma voz irreverente, nova, suada de fato de treino e, ao mesmo tempo, intimidante pelo seu olhar e energia caótica. O resto da banda sustenta esta performance com precisão: guitarra e sintetizadores pontuam exatamente onde é necessário, enquanto a bateria, o coração da bandas, mantém a máquina em movimento e rivaliza com a voz como elemento central.
A reação do público foi de apreço, mas pedia um pouco mais de descontrolo e libertação; não houve grande movimento, mais contemplação do que entrega total. Ainda assim, o espetáculo funcionou como um circo punk fascinante, que mostra claramente a identidade própria da banda e a sua capacidade de trazer algo genuinamente novo ao género. No final do concerto não havia muito a dizer, tinha sido facilmente o melhor concerto do festival e seria estúpido nenhum festival os trazer novamente. Por favor alguém me escute.
Shoegaze depois das 22h devia ser ilegal
Às 23h15 regressou-se ao auditório do CCVF para enfrentar um concerto de shoegaze que, a estas horas, deveria ser quase ilegal. Podia claramente ter havido uma troca direta entre os concertos da tarde e da noite para gerir melhor as energias, até porque este era um espetáculo que merecia uma cabeça fresca para ser verdadeiramente apreciado. A irlandesa Maria Somerville aterrou no CCVF para apresentar as paisagens de shoegaze/dreampop de Luster, disco que ao vivo ganha uma energia muito superior à que se sente em estúdio.
Não sou normalmente de usar tampões, mas neste concerto achei pertinente: a distorção arranhava, e bem. Era um arranhar bom, daqueles que nos fazem sentir cada acorde e cada nuance da guitarra, lembrando quase os my bloody valentine. À medida que percebi o volume que este concerto exigia, ficou claro o motivo de ter sido colocado à noite: pedia as melhores condições sonoras que o festival pudesse oferecer.O som que Maria (guitarra e voz), Sean Bean (baixo) e Michael Speers (bateria) sacavam estava carregado de reverb, reverb esse que nos permitiu entregarmos de corpo e alma à apreciação detalhada de ambient vibrante (afinal, o histórico musical de Maria é na música drone) e de guitarras que ecoavam sonhos. A música, mesmo àquela hora tardia, era muito primaveril, proporcionando um momento de introspecção e beleza sonora que se sentia quase fora do tempo e do auditório. Maravilhoso.
A hora das vampiras
Embora já tivessem passado dois dias desde o Dia das Bruxas, o concerto dos These New Puritans veio provar que ainda havia vampiras em Guimarães. A banda britânica, liderada pelos irmãos Jack e George Barnett, apresentou o novo álbum Crooked Wings, um trabalho que mergulha numa sonoridade gótica e orquestral, onde marimbas, órgãos e texturas eletrónicas densas se entrelaçam.
Em palco, os irmãos mostraram a mesma elegância e contenção que sempre os distinguiu. Jack, entre teclados e voz, parecia completamente absorvido no seu próprio universo, enquanto George, na bateria, guiava com precisão. O público, por sua vez, manteve-se em reverente atenção, hipnotizado pela teatralidade subtil que a banda consegue transmitir sem recorrer a exageros visuais.As novas músicas de Crooked Wings mantiveram esse equilíbrio entre a densidade e a fragilidade. O som soava imponente, mas nunca excessivo, e deixava espaço para que cada instrumento respirasse. Foi um concerto que pedia atenção, recompensando quem se deixasse envolver por esta melancolia espiritual, que define a nova fase dos These New Puritans.
O rescaldo
O Mucho Flow volta a provar que é uma das melhores formas de interromper o ciclo cinzento da rotina laboral. Há algo de terapêutico em sair do trabalho direto para um festival assim, em trocar o ruído do trânsito pelo das guitarras, dos sintetizadores e das vozes que ecoam pelos auditórios. O Mucho Flow oferece essa pausa sem pressas, onde o frio e a chuva não são um obstáculo, mas parte da paisagem do festival.
Fazem falta mais festivais nestas épocas frias, não só porque o corpo precisa de se mover, mas porque a mente agradece esse estímulo que quebra a letargia dos dias curtos. A Revolve continua a acertar na fórmula, com nomes emergentes e propostas que desafiam géneros, tudo num ambiente que se sente genuíno e próximo. O Mucho Flow é um lembrete de que a música não tem estação certa e que o calor mais forte de novembro vem mesmo das salas e dos palcos de Guimarães.

