VEENHO: “O Lofizera é a primeira vez que estamos em paz com alguma coisa que fizemos”

Em 2015, na icónica “Monstro Social”, Nerve cuspia: “’Quando é que sai o álbum?’ / Aprecio o entusiasmo mas quando eu quiser que saibas trato de fabricar um diálogo”.

A dica do autor de Trabalho & Conhaque (não me façam escrever o nome inteiro do álbum, por favor) era uma resposta a quem, ao longo dos sete anos anteriores, lhe perguntou quando sairia o sucessor de Eu não das palavras troco a ordem (2008). E claro, à boa maneira de Nerve, seria quando lhe apetecesse, quando quisesse “fabricar um diálogo”.

Os VEENHO não demoraram exatamente sete anos a lançar um novo trabalho, mas pouco faltou. Entre os dois EPs que lançaram em 2017 – apropriadamente intitulados de VEENHO e VEEENHO – e Lofizera, título do álbum de estreia editado pela Xita Records em 2023, passaram-se seis anos. E na noite de Lisboa, entre camaradas e melómanos, perdeu-se a conta a quantas vezes se ouviu falar no primeiro longa-duração dos VEENHO. Será que existia mesmo? Quando sairia? Nem os próprios VEENHO pareciam saber responder às inquietações. Afinal, desapareceram. Pararam de tocar.

“Foi uma decisão nossa desaparecermos porque queríamos pensar se valia a pena continuar”, comenta Martim Brito, baterista, letrista e semi-porta-voz oficial do trio lisboeta. Para fazer Lofizera, Martim Brito, António Eça e Xixo precisaram de crescer e deixar as ideias a maturar para terem a certeza de que estavam a fazer o disco que queriam – ou melhor, que precisavam de – fazer.

Capa Lofizera
Capa Lofizera

Lofizera é um disco “não só sobre crescimento”, como refere Martim, mas também sobre o resultado desse “crescimento”. Os VEENHO ficaram ligeiramente mais velhos, refletiram sobre o mundo que os rodeava, e amadureceram sem perder a sua edge e vontade – mesmo que esta tenha mudado. Daí o repescar de José Mário Branco em “ex-punk” – “Muda-se o tempo, muda-se a vontade”. 

“ex-punk”, que é a melhor malha de Lofizera, revela outra coisa sobre o longa-duração: o “fator motivação” e o “perdi a paciência”. Nos seis anos em que estiveram meio ausentes, os VEENHO lutaram contra eles próprios para conseguirem terminar o álbum. E como se isso não bastasse, tiveram ainda de lutar contra uma pandemia, um tempo de masterização mais alargado que o esperado devido à digressão de João Casaes com os seus Oruã, e a pressão – tanto interna como externa – de conseguirem concluir o disco.

“O pior de tudo era a pressão que colocámos em nós para terminarmos o disco”, reflete Martim. Apesar dessa pressão, os VEENHO aprenderam que mais vale fazer as coisas ao ritmo que elas pedem. “À medida que mais tempo passava, mais ficamos agarrados à ideia de lançar o disco apenas quando ele estivesse como nós queríamos”, conta Martim. “Para que é que íamos lançar um disco três anos depois [o disco era suposto ter saído em 2020] dos EPs se depois nem conseguimos que as coisas ficassem como queríamos?”

Se o questionamento matasse, era provável que os VEENHO já estivessem mortos. Mas foi na evolução das relações dentro da banda que encontraram salvação para que isso não acontecesse. A confiança e a amizade entre os três aumentaram, permitindo que se conhecessem “melhor enquanto banda”, afirma António, responsável por cantar e tocar guitarra no trio. Além disso, a adição de Gonçalo Formiga (dos Cave Story), que toca guitarra em todo o disco e canta em “destreza” (e ainda o misturou), e Manel Lourenço (aka Primeira Dama), que adiciona voz a todas as canções do álbum, à formação da banda que gravou Lofizera permitiu aos VEENHO fazer canções mais texturais e diferenciadas. “O Manel tem uma experiência com melodias que nós não temos e quisemo-nos aproveitar disso para o nosso disco”, revela Xixo, baixista do grupo.

Se os EPs soam de tal forma crus que mais parecem demos, Lofizera não perde tempo em revelar-nos uns VEENHO mais aprimorados em “insolência”, malha onde os VEENHO revelam logo outra coisa – que fizeram Lofizera para se salvarem (“Lofizera para nos salvar”).

A expressão Lofizera já tinha sido utilizada pelos VEENHO na malha “Cerveja Lofizera” do segundo EP. Mas se aí o termo era uma brincadeira para falar sobre “cerveja rasca”, em Lofizera o termo é um lema. Um lema que descreve a sonoridade dos VEENHO –entre o slacker rock independente dos anos 90 e o ruído brasileiro de editoras como a Transfusão Noise Records e a Pug Records – e o espírito por detrás do álbum. “Fazer este disco com os meus amigos salvou-me de alguma forma”, afirma Martim.

Mas será que todo este esforço valeu a pena? Como Luís Filipe Rodrigues relembrou na Timeout Lisboa, “os VEENHO de 2017 eram uma boa banda, com energia, fúria de viver e as referências certas”. Portanto, a expectativa era alta. Em 2017, os VEENHO eram uma das novas coqueluches do rock lisboeta. Em 2023 (aliás, 2024), são o quê? Certeza? Não terá passado demasiado tempo? Lofizera teria de ser um disco perfeito para conseguir atingir o nirvana das expectativas dos fãs que esperavam eternamente pelo primeiro longa-duração da banda. Porém, como pode um disco com base numa sonoridade lo-fi soar perfeito? Nunca poderia soar perfeito. Só poderia soar imediato e a um lembrete que os VEENHO ainda são uma boa banda.

Lofizera é um bom disco, cuja espera valeu a pena e que relembra que os VEENHO são uma excelente – já não apenas boa – banda. Encontra-se recheado de canções orelhudas e ruidosas preenchidas por emoções à flor-da-pele (só assim pode existir uma faixa com títulos como “nunca arrumo habilidade para desabafar” ou “str8 edge corner”) que ecoam esperança no meio da distorção. Ainda que possam soar algo derivativas, estas malhas aproximam-se mais de soarem a homenagem, e não cópia, aos seus ídolos. Em “maré alta”, resposta a “maré baixa” do segundo EP e a confirmação de que a maresia é um dos âmagos dos VEENHO, escuta-se uns Pavement; em “passar mal”, as comparações aos Silver Jews são inevitáveis; na excelente “medo das alturas”, soam algures entre os Cave Story e os Built to Spill; “semi-hippie” é uma versão de um original de Lê Almeida, um dos fundadores da Transfusão Noise Records e membro dos Oruâ, que também já tocou com os Built to Spill. Está tudo interligado.

Por outras palavras, a identidade sonora dos VEENHO soa mais delineada do que nunca. Lofizera é o melhor registo apresentado pelos VEENHO até ao momento, mas mais importante que isso, coloca-os no trilho certo para continuarem as suas explorações sonoras e soarem cada vez mais como os VEENHO e não como as suas influências. Eles próprios parecem estar cientes disso. “Pode ter demorado tempo, pode ter muitas coisas que podiam ter ficado melhores”, confessa Martim, “mas isto é a primeira vez que estamos em paz com alguma coisa que fizemos”.

E nós que esperamos tanto tempo pelo disco dos VEENHO? Mais em paz estamos por ainda termos a possibilidade de os ouvir.

Os VEENHO tocam ao vivo dia 21 de fevereiro no Lounge, em Lisboa, e no dia 24 na Sala 6, no Barreiro.

Cucujanense de gema, lisboeta por necessidade. Concluiu um curso de engenharia, mas lá se lembrou que era no jornalismo musical e na comunicação onde estava a sua vocação. Escreveu no Bandcamp Daily, Stereogum, The Guardian, Comunidade Cultura e Arte, Shifter, A Cabine e Público, foi outrora co-criador e autor da rubrica À Escuta, no Espalha-Factos, e atualmente assina textos no Rimas e Batidas e, claro está, na Playback, onde é um dos fundadores e editores.
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Lofizera para se salvarem.

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