I LOVE IT: 3 histórias sobre o hit do verão 2013

Numa série de ensaios publicados sobre o ano de 2013 na música, Larry Fitzmaurice, crítico norte-americano, descreve-o como sendo o ano em que “tudo mudou”. Mudou a forma como a própria música era lançada – culpa de uma senhora chamada Beyoncé – e a forma como, subsequentemente, a “própria música passou a ser abordada pela imprensa musical”.  Por outras palavras, 2013 é o ano em que o poptimismo destrona o rockismo.

E há razões para isso. 2013 é um ano recheado de hits e de grandes discos. Aqui na Playback, já relembrámos Random Access Memories dos Daft Punk, mas a lista acumula registos discográficos de relevo: Yeezus de Kanye West, Bangerz de Miley Cyrus, The 20/20 Experience de Justin Timberlake, o disco homónimo de Beyoncé. E com singles… A lista seria gigante.

2013 é também o ano em que, devido ao pico da era do Tumblr, a pop e o indie se cruzam numa mescla que, dez anos mais tarde, prova que as barreiras são praticamente inexistentes entre quem ouve o quê. Culpe-se Sky Ferreira, Lana del Rey, The Weeknd, CHVRCHES, Grimes, Purity Ring, The Neighborhood, The 1975, AM dos Arctic Monkeys, Pure Heroine da Lorde, Modern Vampires of the City dos Vampire Weekend, Days Are Gone das HAIM.

Há algumas semanas, em conversa, o tema de 2013 veio à baila e ficámos a pensar em que canções desse período nos tinham deixado impacto. Uma em particular destacou-se nessa troca de impressões: “I Love It”, canção do duo sueco Icona Pop (é o seu hit) que conta com a participação de uma Charli XCX ainda a ganhar destaque no mundo da pop.

Curiosamente, “I Love It” não é uma canção de 2013. Lançada em maio de 2012, a faixa, nos Estados Unidos teve logo impacto tanto comercial – atingiu o pico de #7 nos charts da Billboard – como crítico, tendo sido incluída na lista de melhores canções do ano para a Pitchfork e Rolling Stone. Na Europa e em Portugal, contudo, a canção só se tornou um hit – adivinhe-se – no verão de 2013.

Para celebrar a canção e o ano, a equipa editorial da Playback escreveu três estórias-ensaios sobre a “I Love It”.

Miguel Rocha


Ana (Lisboa)

Apareceu naquela altura do boom das estratégias de redes, quando o descodificar do algoritmo soava a santo graal e os sponsored posts dividiam marketeers, uns cautelosamente desconfiados e outros jurando que estava ali o futuro. Se olharmos para os layouts da altura, era tudo tão feio, tão primitivo. Até o Instagram e o seu ícone a puxar para o vintage, com os seus pseudo-filtros a disfarçar as câmaras frontais de má qualidade e os cinquenta posts que toda a gente fazia por dia, desde a sandocha meia comida do almoço (sempre com moldura, pois claro) à chiclete cor-de-rosa colada na borda do passeio que vista de esguelha quase parecia formar um coração. E quando as Icona Pop rebentaram com o verão num delay de quase um ano dizia eu à minha assistente que o Facebook devia aproveitar o hype e investir em dois botões: um para “I Love It!” e outro para “I Don’t Care!”—o que, se nos lembrarmos daquela experiência quase imediatamente abandonada (e mais tarde adoptada pelo YouTube) do “dislike”, só prova que eu até era razoavelmente competente e visionária como estratega.

Pelo caminho, fez-se muito dinheiro. Ouviu-se muita música, a maioria sofrendo de síndrome diferentão e adquirida em vinil através de sites independentes. Comprou-se muita roupa, grande parte ainda para ali recheando o armário, tudo muito estimadinho até porque essas marcas importadas de autor faliram quase todas. Mas acima de tudo, viveu-se uma última inocência dos novos media (um termo mais do que ultrapassado uns meros meses depois) que se desmoronaria como um castelo de cartas à medida que nos apercebíamos da dimensão faustiana da nossa (omni)presença online. E enquanto Lisboa dava os últimos suspiros duma era pré-gentrificação e uma onda de calor premonitória de apocalipses futuros percorria impiedosamente o país, pelas janelas abertas saía invariavelmente um dos três hits de verão—”Get Lucky”, “Blurred Lines”, “I Love It”—todos adequadamente desdenhados pelos habituais Velhos do Restelo entre acusações de superficialidade descartável. Sobrevivemos? Pode dizer-se que sim, mas não da forma que imaginávamos. Nunca mais voltaríamos a ter um ano tão solar musicalmente, nem a fabricar a nossa presença online de forma tão pouco irónica. Em poucos meses deixaria a MTV, jurando nunca mais trabalhar em social media.


Rute (Frankfurt)

Em Frankfurt faz mais calor do que previa. O verão alemão é bem mais curto que o português, mas quando a temperatura sobe parece que se abriram as portas do inferno. Estou a transpirar de sítios que nem sabia que podiam transpirar. Vamos sair? Claro. Sachsenhausen, Bockenheim, Bornheim? Ainda não sabemos bem onde vamos começar nem acabar a noite, encontramo-nos em Konstablerwache e logo vemos. Ainda não são 18h, mas as primeiras cervejas vão chegando, as conversas entornadas desdobram-se em dezenas de idiomas europeus, sotaques arranhados e gramáticas esburacadas pela vontade de fazer novos amigos.

Emigrei há uns quatro ou cinco meses e estou a amar. Tenho FOMO do que deixei em casa, mas esta nova vida é a liberdade que sempre quis e ainda não tinha experimentado. Há meia dúzia de refrões que rodam obrigatoriamente, não interessa bem onde acabamos a dançar. Aquele loop de saxofone de “Thrift Shop” é pegajoso e inescapável, mais vale alinhar. Mas rappar não é um exercício fácil, sobretudo nesta altura da noite. Eis que o sintetizador rasga a pista e a cantoria fica facilitada. “I GOT THIS FEELING ON THE SUMMER DAY WHEN YOU WERE GONE” E os demónios de relações passadas exorcizam-se empunhando copos cheios de turbilhões, enquanto se conquistam novas vidas. Que se lixe tudo o que não interessa.

São duas da manhã e eu estou a voltar para casa de eléctrico. Parece cedo, comparando com Lisboa, mas foram quase oito horas de festa. Estão 28ºC, e não páro de cantarolar aquele refrão. (nunca mais ouvi falar das Icona Pop) Charli écs-see quem? I DON’T CARE, I LOVE IT.


Miguel (Cucujães)

Não me lembro se era exatamente 2013 quando “I Love It” me chegou às mãos, mas sei que algo fez clique no momento em que *aquela* linha de sintetizador se faz ouvir. Ainda estávamos em plena era do Tumblr e procurava uma espécie de maximalismo exuberante que me fizesse escapar à aparentemente aborrecida vida que levava no meu secundário. God, things seemed boring.

Ou pelo menos, aparentavam ser. Eu criei o aborrecimento. Não vale a pena discutir o porquê, mas digamos que, durante o meu secundário, mal saí à noite. Acho que sempre sonhei com isso mesmo que parecesse ser contra natura para mim. Eu era introvertido e queria berrar canções a altos pulmões. O que raio se passava comigo?

“I Love It” funcionava como um escape para mim. Acredito que as grandes canções pop tenham isso como característica essencial. Quando as ouvimos, tudo à nossa volta desaparece. Damos por nós a imaginar um cenário específico, um local para onde somos transportados pela canção. No meu cânone da pop, “I Love It” é uma grande canção, um hino que ganha pela sua simplicidade. Soa indecente, sebenta e ordinária, um grito feminista despretensioso de quem não quer saber o que os outros pensam dele. Não tenta ser outra coisa que não isso. E já é muito.

Ao escutar “I Love It”, sou imediatamente transportado para o interior de um club daqueles bem sujos – onde, ao lado de estranhos e compinchas, dançamos e gritamos sem parar (e, sim, havia álcool e drogas à mistura). O imaginário é assim em 2023 e era assim na minha adolescência. Talvez fosse por causa do teledisco ou da minha vontade enorme de ser livre. Quem sabe a resposta verdadeira? O que sei é que demorou ANOS para poder ouvir “I Love It” dentro de uma discoteca. Nunca fui uma pessoa de ir sair a discotecas, mas no pós-pandemia, admito que sinto um bichinho maior às vezes para ter esse tipo de noite (spoiler: não tive muitas na mesma). Porém, numa dessas noites, no Trumps, passaram “I Love It”. Meu Deus. Nunca fui tão feliz como naquele momento. Durante menos de três minutos, fui a main character de toda a discoteca. Eu e outros tantos. A boa pop tem dessas coisas.

Quando Charli XCX se juntou às Icona Pop para fazer um hit.

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